Não fuja da luta, covarde

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Empate

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Modernidade, contemporaneidade, pós modernidade.e a subjetividade em rede



Somos modernos, contemporâneos ou pós-modernos? A expressão “moderno”, circunscrita ao terreno das artes, confunde-se com a Semana de Arte Moderna, e invoca personagens como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Anita Malfatti, e etc. Todos estudamos a semana de 1922 como um marco do modernismo no Brasil, e tal corrente artística e literária, inspirada pelo clima europeu da época, propunha-se a romper com padrões formais da arte, da literatura, da poesia.
E, talvez, seja este zeitgeist modernista que tenha construído a rede de significados que permeia o uso corriqueiro da palavra “moderno”, que significa o novo, o contemporâneo, que se confunde com o conceito estatístico de “moda”, que é a repetição de um mesmo fato, roupa ou tendência. Uma pessoa moderna costuma trajar-se de acordo com as tendências de seu tempo de seu contexto, de sua cidade, e ela deixa de sê-lo no momento em que não acompanha esse ritmo de intensas mudanças. Aquilo que é moderno não necessariamente está preso no tempo e no espaço, porque a moda pode ser “retrô”, a moda pode ser vestir-se com acessórios “das nossas avós” adquiridos em briques e brechós. Desta maneira, o suco corriqueiro da expressão “ser moderno” confunde com ser contemporâneo, ou “estar alinhado”.
Nas ciências sociais e na filosofia, a idéia de modernidade apresenta-se de uma forma mais restrita a um período no tempo e no espaço e a um determinado modus operandi daquilo que chamamos de “sociedade moderna”, ou como diz um grande pensador da modernidade, o sociólogo inglês Anthony Giddens:
“O que é modernidade? Como uma primeira aproximação, digamos simplesmente o seguinte :modernidade refere-se a estilo, costume de vida e ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência” (Giddens 1991)

Giddens observa a modernidade como um e conjunto de relações econômicas e sociais que surgiram com o iluminismo, a democracia e o fortalecimento do estados nacionais, que teriam proporcionado aquilo que Boaventura Sousa Santos (2000) considera o casamento do Estado nacional capitalista e da ciência moderna. Este casamento foi bastante acelerado pela Revolução Industrial e científica, em especial nos séculos XVII e XIX. Giddens situa a modernidade como o advento de uma sociedade pós-tradicional, pela transformação nas relações sociais, nos laços comunitários e de parentesco, no esquadrinhamento do tempo e do espaço. O tempo é o tempo da evolução científica e tecnológica, o espaço é o espaço das cidades. As instituições modernas, ou disciplinares, como diz Foucault, vão predominar nos modos de existência. O Homem Moderno mede seu tempo pelas horas de trabalho e de lazer, a criança moderna passa a maior parte do seu tempo na escola, os doentes modernos submetem-se aos médicos e hospitais.
A própria sociologia é uma ciência moderna, pro ser fundamental estudarmos os mecanismos aos quais nossas relações de tempo, espaço, trabalho e subjetividade estão submetidas. Para um grande sistema moderno, é necessário construirr um agrande teoria que o explique, como as leis da gravitação de Newton impulsionaram a revolução industrial tecnológica, as grandes teorias de Marx, Weber, Durkheim e Parsons impulisionaram a revolução industrial das ciências humanas.
É o Estado moderno que organiza, que faz o tempo correr que cura as doenças e aplaca os conflitos. No entanto, as grandes guerras do século XX e a produção em massa de pobreza anos paises do terceiro mundo ao longo do século XX e dos países Europeus dos anos 1990 até hoje colocaram a modernidade em cheque. O Estado, visto como fator inclusivo e porto seguro da subjetividade, começou a mostrar-se violento e ambivalente. Zigmunt Bauman chega a colocar a modernidade como um monstro ambivalente, considerando Adolph Hitler como uma espécie de grande atrator moderno: seus ideais de pureza racional e ordem seriam a exacerbação dos ideais da modernidade. A inclusão, a igualdade, o desenvolvimento movidos por uma “Sociedade” que se sobrepõe e se antagoniza aos “indivíduos”. Os loucos precisam ser curados no manicômio, é preciso, os alunos precisam ser disciplinados na escola. A diferença é vista como anomalia. Os turbulentos anos 60, década de efervescência e questionamento das prisões espaço-temporais-tecnológicas, pelo surgimento de pensadores críticos e absolutamente transdisciplinares, como Feliz Guattari, Gilles Deleuze, Michel Foucault. A subjetividade desejante, para estes atores, é um conflito de forças com o que poderíamos chamar de “social”, o sujeito resiste ao poder instituído, ele demanda mais do que boas relações e organização social. Em tempos de crise identitária e técnica, na inversão da lógica “social-individual” na relativização das dicotomias, autores como David Harvey e François Lyotard, entre outros, chegam a discutir a possibilidade de uma pós-modernidade: o fim do estado e da sociedade, e conseqüentemente, da possibilidade de compreendê-los em um sistema teórico compreensível.
Dentro da sociologia, por questões corporativas (sem sociedade não é possível fazer sociologia), há grande resistência ao termo “pós”. Afinal, o Estado moderno realmente não acabou, a existência moderna tampouco deixou nosso horizonte subjetivo, a democracia, especialmente em tempos de eleições, não deixa de clamar pelo Estado responsável por saúde, educação, segurança e emprego. Nos países do terceiro mundo, o Estado Moderno é muito forte, porém de curto alcance, e às vezes apenas sua parte mais violenta é sentida especialmente pelas populações mais pobres, pois são os pobres quem apanham da polícia do estado moderno, quem freqüentam suas precárias instalações escolares e de saúde e habitam as favelas, que são os restolhos das políticas de habitação modernas. Como um cadeado de ferro em uma choupana infestada de cupins, a modernidade espreme os sujeitos, excluídos em um sistema de exclusão.
Tais contradições e efeitos funestos e contraditórios levaram alguns sociólogos a pensar, com Giddens que vivemos “as conseqüências da modernidade”, ou que esta modernidade me tempos de globalização é uma “modernidade tardia” e que o descentramento do papel do Estado e a emergência das redes sociais, ou mesmo da subjetividade não mais como efeito da socialização, e sim a sociedade como efeito da subjetivação sejam características de uma modernidade “líquida”, em oposição à velha modernidade “sólida”.

Bruno Latour, nos anos 1970,  produziu uma obra revolucionária e polêmica chamada "Vida de Laboratório" que deu início a mais elaborada aventura em um dos cânones sagrados da chamada modernidade: a ciência. Latour inaugura uma nova modalidade metodológica que consiste na observação etnográfica metódica dos laboratórios, o que implica em analisar não somente os métodos, a produção científica e a "epistheme", mas também as práticas científicas como redes simétricas entre atores: aparelhos, cientistas, financiamento, publicações, imprensa, economia. Tais redes não são parte de uma sociedade pré dada, e sim estados emergentes e que demandam estabilidades e instabilidades para se manter como "fatos científicos". O total desnudamento das práticas científicas levou Latour a produzir seu famoso ensaio de título bombástico "Jamais fomos modernos" considerando como "modernos" pessoas que deliram e alucinam com a possiblidade de existir uma ciência "fria" "impessoal" "infalível" e "majestática". Latour, ao ingressar  radicalmente no laboratório e mergulhar nos rituais e nas práticas cotidianas, tornou-se um crítico ferrenho da ciência, porém sem negar sua materialidade como fazem alguns desconstrucionistas. A  ciência moderna é apenas humana, demasiado humana.
Nós, os contemporâneos, modernos, pós- modernos, recentes, tardios, líquidos, sólidos vivemos este impasse, e creio que Bauman acerta quando diz que a modernidade é ambivalente: sonhamos com a individualidade mas entramos de cabeça na coletividade midiática ou dos padrões de consumo, sonhamos com um futuro de paz e igualdade, mas somos todos radicalmente diferentes e a todo tempo entramos em conflito.
A minha posição enquanto pesquisador  e professor universitário  também é ambivalente, penso que a subjetividade contemporânea, de quem vive em uma cidade e está acoplado a redes e padrões de trabalho, consumo de cultura, alimentação e saúde, é uma subjetividade constituída por uma rede, e está em rede. Somos a interface entre o coletivo e o individual, entre a clausura e a abertura. Na rede em diferentes níveis de consciência, somos individuais e coletivos, somos atores e platéia, sólidos, líquidos e gasosos. A modernidade parece ser o software que estrutura nossa experiência de urbanitas, e a pós-modernidade, o princípio da conexão e da atualização.
Algumas dicas de leitura para quem não quiser passar vergonha em algum encontro de intelectuais pós-modernos ou modernos tardios.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1999

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001

BAUMAN, Zygmunt. Comunidade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2005

BAUMAN, Zygmunt. Vidas Disperdiçadas. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2005

 

 

DELEUZE, Gilles, GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia vol 01. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995

DELEUZE, Gilles, GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia vol 03 . Rio de Janeiro: Editora 34, 1998

  FOUCAULT, Michel, Vigiar e Punir: a história da violência nas prisões. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.
GARLAND, David, La cultura Del control: crímen y orden social en la sociedad contemporánea. Barcelona, Gedisa, 2005.
GIDDENS, Anthony, A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual da social-democracia. Rio de Janeiro, Record, 2001
GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo de nós. Rio de Janeiro, Record, 2000
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo, Ed. da UNESP, 1991
GIDDENS, Anthony, BECK, Urlich e LASH, Scott, Modernização Reflexiva, São Paulo, Ed. da UNESP, 1997.

HOBSBAWM, Eric.  A Era dos Extremos. Rio de Janeiro, R. J.  Paz e Terra, 1994

lATOUR, Bruno, Jamais fomos modernos: ensaio sobre antropologia simétrica. Rio de Haneiro, Ed 34, 1994




terça-feira, 2 de agosto de 2011

Sobre a experiência cinematográfica e sua radicalidade


Não sou nenhum especializado em cinema, e tampouco posso receber a alcunha de cinéfilo. Há muitos anos, quando estive em Buenos Aires, conheci uma garota que era cinéfila. Ela tinha por hábito, aos fins de semana, participar de imersões de 48 horas dentro de salas vendo películas de 08 ou 09 horas e debatendo nos intervalos para o café ou baseado.Ela retribuiu a visita e veio a Porto Alegre passar uma semana. Na despedida,  ela deixou um papel com uma lista, que anotou em cinco minutos uma lista com uns 20 diretores que ela lembrava de cabeça,  quase como um tema de casa. Isso é ser cinéfilo. Isso faz uns 12 ou 13 anos, nunca mais vi a garota, e estou terminando agora de completar a tal lista.
  No entanto, como portoalegrense que viveu intensamente os anos 80 e os anos 90 em nossa capital, quando ainda existiam “cinemas de calçada” baratos e perto de casa,  os filmes bons  permaneciam em cartaz por longos períodos e realmente ir ao cinema era um habito social, um bom programa para a família e os amigos. Afinal, com a comercialização massiva dos DVDs e a explosão dos downloads de títulos que às vezes sequer chegam as salas, este hábito converteu-se em algo caseiro e solitário.
Eu acho que muitos hábitos passaram por esta mudança. Lembro da época dos discos de vinil, quando íamos na loja e ficávamos horas passando os dedos nos bolachões, até achar uma raridade, ou mesmo um disco novo, aí chamávamos os amigos para escutar e ouvíamos todas as faixas do LP...E hoje baixamos discografias inteiras em minutos e ouvimos no carro ou nos mp3 players com fones de ouvido.
Desta forma, não sou cinéfilo no sentido estrito, mas talvez no latu, ou seja, sou um amigo ou um amante da chamada sétima arte, e fico  intrigado toda vez que tenho esta experiência fílmica, imaginando a passagem do trem filmado pelos irmãos Lumiere de maneira quase científica até as abstrações dramáticas e estéticas de Stanley Kubrick, David Cronemberg, David Linch e outros. Que fantástica magia esta de filmar por horas e horas, construir cenários, efeitos especiais, continuidades, roteiros, montar tudo isso, editar e produzir uma sequência temporal ilusória que irá aterrissar em nossas mentes e engendrar mundos heterogêneos.
Nas ultimas quatro semanas vi mais de 30 filmes, e tenho a impressão que meus olhos estão cada dia mais treinados, apurados, sensíveis. Isso mudou muito minha percepção e meus esquemas cognitivos.Vi documentários, filmes coreanos, japoneses, americanos alternativos, espanhóis, argentinos, poloneses, tchecos, alemães, suíços.
É impressionante como, se dependermos das salas de cinema, da TV e das locadoras nossa experiência cinematográfica é míope.O cinema "alternativo"nos obriga a pensar em elementos heterogêneos dos filmes: luz, sombra, fotografia, roteiro, tempo, expressão.
O cinema comercial é exclusivamente centrado na dramaticidade e no roteiro previsível, geralmente dividido em três partes. Vi um filme português, "No quarto da Vanda" filmado com Mini DV no qual o diretor praticamente abre mão do roteiro.Não "acontece nada no filme”. Em um subúrbio pobre de Lisboa vivem pessoas que conversam,  vivem, convivem, sem trilha sonora, sem clímax, sem início nem fim. O espectador acostumado ao roteiro diria que “é sem pé nem cabeça”. Seguimos a metáfora: o corpo humano é feito de bilhões de células. Po que pensar no pé e na cabeça... E a meus amigos professores, um semestre letivo é composto de milhares de minutos, segundos, horas... E tudo se resume a avaliação, aula, didática...
É claro que Win Wenders, em “O Céu de Lisboa” discute a impossibilidade do cinema “puro”, mesmo o prosaico trem dos irmãos Lumiére possui os limites angulares, focais, da posição da câmera de da própria limitação de filmar aquilo e não o resto do Universo. Mas no cinema, como na educação, pode-se apostar mais no espectador ou no aluno ou no diretor, no método, no professor.
Então percebo que boa parte do cinema  tem a intenção pura e simples de conduzir o espectador a um caminho seguro, asfaltado e estéril.
Lars Von Trier, no filme “O Anticristo” mostra a floresta como o lugar onde o caos reina. E o caos verdadeiro não é desordem, e sim, ordens múltiplas, combinações caleidoscópicas de sentido. David Linch segue uma linha ainda mais radical, pois tem a intenção de colocar o espectador  na perspectiva de quem sonha, e no sonho predomina o inconsciente. Ninguém controla o que faz no sonho, o que vai sonhar ou quando vai acordar. É quando somos acordados, ou seja, outra pessoa, outra perspectiva, que monta o quebra-cabeça onírico.
David Linch e Lars Von Trier nos ensinam a apreciar o cinema como quem aprecia uma pintura, ou uma sinfonia atonal.Nossa visão tradicional do cinema é muito estruturalista e estruturada, sempre queremos saber o que há no fim, e esquecemos de todo resto. Muitas pessoas não gostam de ver filmes mais de uma vez porque prestam atenção apenas no enredo, não pensam em cenas, cores, signos.
Os melhores filmes precisam sempre ser vistos mais de uma duas, dez, infinitas vezes  e tal experiência precisa durar, e não é assim com as músicas, a comida, as pessoas queridas?
Assim como é sempre o espectador que constrói o filme, é o aluno quem aprende sozinho.
Mesmo o uso didático do cinema é algo encarado por muitos com limitações. Em geral o professor preocupa-se com a interpretação pura e simples da maneira como o filme discute determinada questão e negligencia a experiência sensível em si ou os sentidos horizontais  riquíssimos de significações presentes na fotografia, na trilha sonora ou dos códigos abertos que o diretor apresenta. Eu considero a interrogação de “como” um filme foi feito uma ferramenta pedagógica poderosa no aprendizado de metodologia da pesquisa. Afinal, assim como o dado científico, uma cena de cinema é o resultado de composições metodológicas e interpretativas incrivelmente complexas, e o espírito científico é justamente aquele que interroga sempre como o conhecimento é obtido ou produzido.
Minha principal meditação nestes longos dias de imersão é que  assim como o cinema pode ser ao mesmo tempo diversão e pensamento, a  educação e a ciência seguem o mesmo caminho.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Dostoievski é bom para a cabeça.


Este blog andou adormecido por um longo tempo, e resolvi acordá-lo para o mundo durante este exílio que passarei em casa por um pouco mais de um mês.E nada melhor do que uma de minhas leituras preferidas, Dostoievski. O tema surgiu de uma troca de mails  com uma aluna que me confessou sequer ter ouvido falar desse escritor. Aliás, por eu tê-lo citado em uma de minhas atividades literárias do exílio, a aluna pensou ser ele um “autor”, no sentido acadêmico.
Alunos que tem boa cultura certamente tem mais facilidade com o resto.Quer dizer,uma planta pode crescer só com terra e água, mas com um bom adubo orgânico ela fica bem maior e mais viçosa.Guattari chama isso de “universos de referência”, linhas de fuga, espaços nos quais podemos colocar em perspectiva os conhecimentos teóricos e técnicos e tornar nossa experiência no mundo mais complexa e heterogênea.
No entanto, tenho conversado com colegas professores sobre o fato de o mundo Universitário estar se tornando cada vez mais “técnico” e “acadêmico” e menos “intelectual”. O tempo do aprender tem sido cada vez mais pragmático e econômico, cheio de tarefas, burocracias, concretudes. O operário-padrão do conhecimento deve ter seu intelecto restrito ao seu escopo de pesquisa. O resto é ócio.
Pois eu não concordo com isso. Minha idéia de educação é complexa, e principalmente na minha área, a Psicologia, quanto mais Universos e modos diferentes de pensar, mais o pensamento e as relações humanas adquirem a capacidade de se reinventar. Pois falemos de Dostoievski.
Fiodor Dostoievski (1821-1.881), escritor russo, autor de obras como Crime e Castigo, Os Irmãos Karamazov, O Idiota, ´é considerado um dos maiores expoentes da literatura mundial ao lado de Shakespeare, Proust, Tolstoi entre outros. Sugiro, para começar, "Notas do Subsolo" e "Memórias da casa dos Mortos" (que estou lendo agora). São baratinhos e fáceis de ler.
 "Notas do Subsolo", ou dependendo do tradutor, "Devaneios do subterrâneo", "Notas do subterrâneo e por aí vai", doravante o título, me puxou para o andar de baixo, ou pelo menos mostrou o chão que está acima de mim.

O filósofo Mikhail Bakhtin  construiu uma grande obra inspirada no escritor russo, considerando seus romances polifônicos e dialógicos, polifônicos pelo fato de o escritor ser uma espécie de consciência das consciências de seus personagens, que, segundo Bakhtin, adquirem independência no discurso... Dialógicos pelo fato de os personagens, alguns formadores de um discurso próprio, teórico, e que produz fissuras nos outros personagens´, e no caso do "Notas...', no próprio leitor. O livro começa com um diálogo direto do personagem, que não possui nome, com o próprio leitor, onde ele apresenta "o subsolo", ou seja, o lugar de ode ele se posiciona, sua visão de mundo, seu estado de espírito. "Sou um homem doente, sou mau", é a primeira frase do texto, e prossegue um diálogo cuja tônica, é habitar o subsolo, o subterrâneo, o lugar do discurso além da moral, em que o personagem se mostra com herói como questionador da humanidade da hipocrisia, mas ao mesmo tempo se acovarda... Ele chega a dizer "Pressupomos que o homem seja inteligente, pois se ele for idiota, quem mais consideraremos inteligente?".Define o homem como um ser "bípede e ingrato", assume a postura de subsolo ainda que no final, diga que não acredita em UMA palavra que escreveu, e, na conclusão escreva as incríveis palavras:'émelhor não fazer nada! È melhor a inércia consciente!Pois, então viva o subsolo! Apesar de eu ter dito que invejo o homem normal até a minha última gota de fel, nas condições em que o vejo, não quero ser ele"...Dostoievski é impressionante. suas narrativas são simples, porém descrevem personagens complexos e que tem vida própria.
Em “Memórias da Casa dos Mortos”, a história é contada por um personagem que lê um diário de um detento em uma prisão na Sibéria.Neste livro dentro do livro, é descrita a rotina da cadeia, com pormenores sensíveis e cotidianos.Em meio a esse cotidiano, aparecem as vidas, pensamentos, morais, sentimentos e conflitos de cada personagem, como se eles tivessem vida. Em Dostoievski, os personagens assumem discursos e falas que são independentes da narrativa e do narrador, como se fossem vivos. Cada idiossincrasia da prisão é trabalhada com detalhes e sob a perspectiva da multiplicidade subjetiva e heterogênea dos detentos e seus modos de funcionar, o que dá ao ambiente carcerário uma idéia de multiverso: o verão, o inverno, as festas, os conflitos, as penas e seus múltiplos delitos e suas motivações, castigos, o hospital...
Sendo o livro dentro de outro, ainda há mais histórias dentro de histórias e o leitor é habilmente conduzido a dialogar e quase nos esquecemos que apenas uma pessoa as escreveu, ou, desta maneira,  abre-se a possibilidade ao leitor de construir este diálogo.
E, quem sabe, não podemos usar Dostoievski como metáfora para nossos fazeres pedagógicos,  e, em meio a prisões curriculares e suas rotinas sufocantes   deixemos as vozes de nossos alunos dialogarem  e possamos nos perder em nossas polifonias?

quarta-feira, 9 de março de 2011

A volta

Fábio Dal Molin retorna a seu lugar e a sua terra com a inevitável sensação de perda do território, do fluxo intermitente de universos de referência. 30 dias habitando o mesmo mundo, mas um outro continente, outra história, outras épocas.
30 dias na Espanha, Valência, Madrid, Barcelona, Figueras, Toledo, visitando a Idade Média, as monarquias absolutistas, o futuro, o presente, o devir, o trânsito múltiplo, o strens, as bicicletas, as calçadas impecáveis e retas.
Curiosamente, nunca me senti tão brasileiro, ainda que me chamassem de Holandês, Alemão e até Sérvio, e também nunca senti tanto orgu8lho vergonha de meu país, ainda que para os espanhóis sejamos motivos de inveja...
Eles estão crescendo a séculos, enquanto nós afundávamos. Agora que eles pararam um póuco e experientam o desmprego, os árabes, africanos e chineses, o Brasil começa a nascer para o mundo..
Ilusão de movimento.
È claro que é muito difícil falar do Brasil, eu não conheço um décimo de nossa realidade, ou seja lá o que possamos chamar.
Só sei que sonho mais e com mais cores.