Não fuja da luta, covarde

Não fuja da luta, covarde
Empate

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Uma Sala Branca

                                                                               Era uma sala retangular, e as paredes eram brancas. Não havia janelas, não havia portas, não havia uma mesa, não havia cadeiras, não havia quadros, não havia retratos, não havia uma eletrola, não havia um bar, não havia folhagens, não havia pedras, não havia televisão, não havia tomadas, não havia vasos, não havia uma pizza, não havia um coveiro anão chamado Rubens, não havia testes de matemática, não havia um divã, não havia um caixão, não havia tempos verbais, não havia um super-homem, não havia frutas, não havia um frango gigante com uma metralhadora nas patas, não havia comida árabe, não havia o verbo haver, não havia celacantos, não havia livros, não havia uma nave espacial em direção ao sol, não havia a lógica aristotélica, não havia latas de sardinha amassadas, não havia olhos verdes, não havia azeite de oliva, não havia cerveja quente, não havia dois homens que entraram em uma gráfica e perguntaram à recepcionista:
                -Por favor, o Rafael está?
                -Quem quer falar com ele?
                -Ele está fazendo o projeto do cartaz do curso de extensão que estamos organizando.
                -Um minutinho, só.
                Quinze minutos depois aparece Rafael
                -Bah... Desculpem, eu não consegui terminar...
                -Tudo bem-ambos sacam suas escopetas e disparam seis vezes contra os miolos do estagiário Rafael, que passara a noite ajudando a imprimir o manual do candidato do vestibular de 1999.
                Não havia beijos de língua, não havia tartarugas viradas de cabeça para baixo, não havia peixes de aquário dentro de um aquário de peixes, não havia estágio de psicopatologia, não havia beisebol, não havia noites de céu azul, não havia corpo sem orgãos, não havia críticos de restaurante, não havia folhas brancas com letras negras impressas em Times New Roman tamanho doze espaço um e meio, não havia cuecas velhas usadas para tirar o pó dos móveis úmidas e atiradas no chão, não havia leis mal interpretadas, não havia abacaxis feitos à mão, não havia o medo mórbido de morrer manco e maldizendo os mouros maometanos metafísicos metidos a muito machos, não havia pensamentos obscenos, não havia felicidade e falsidade, não havia o ódio dos saudosistas do vinil, não havia Nise da Silveira, Bispo do Rosário, Édson de Sousa, Lacan, Dali, Bosch, Fernando Pessoa, Jung, Freud, Win Wenders e Merleau-Ponty... não havia os acordes iniciais de Starway to Heaven, não havia gases intestinais produzidos por bactérias a partir da decomposição de batatas fritas, não havia sarvalap satricse oa oiràrtnoc, não havia um detector de extraterrestres de outro planeta, não havia relógios com a hora certa em Vladivostok, não havia um escritor em frente à tela de um computador escrevendo sobre uma sala retangular, cujas paredes eram brancas, e não havia janelas, não havia portas, não havia uma mesa, não havia cadeiras, não havia quadros, não havia retratos, não havia uma eletrola, não havia um bar, não havia folhagens, não havia pedras, não havia televisão, não havia tomadas, não havia vasos, não havia uma pizza, não havia um coveiro anão chamado Rubens, não havia testes de matemática, não havia um divã, não havia um caixão, não havia tempos verbais, não havia um super-homem, não havia frutas, não havia um frango gigante com uma metralhadora nas patas, não havia comida árabe, não havia o verbo haver, não havia celacantos, não havia livros, não havia uma nave espacial em direção ao sol, não havia a lógica aristotélica, não havia latas de sardinha amassadas, não havia olhos verdes, não havia azeite de oliva, não havia cerveja quente, não havia dois homens que entraram em uma gráfica e perguntaram à recepcionista:
                -Por favor, o Rafael está?
                -Quem quer falar com ele?
                -Ele está fazendo o projeto do cartaz do curso de extensão que estamos organizando.
                -Um minutinho, só.
                Quinze minutos depois aparece Rafael.
                -Bah... Desculpem, eu não consegui terminar...
                -Tudo bem-ambos sacam suas escopetas e disparam seis vezes contra os miolos do estagiário Rafael, que passara a noite ajudando a imprimir o manual do candidato do vestibular de 1999.
                Não havia beijos de língua não havia tartarugas viradas de cabeça para baixo, não havia peixes de aquário dentro de um aquário de peixes, não havia estágio de psicopatologia não havia basebol, não havia noites de céu azul, não havia corpo sem orgãos, não havia críticos de restaurante, não havia folhas brancas com letras negras impressas em Times New Roman tamanho doze espaço um e meio, não havia cuecas velhas usadas para tirar o pó dos móveis úmidas e atiradas no chão, não havia leis mal interpretadas, não havia abacaxis feitos à mão, não havia o medo mórbido de morrer manco e maldizendo os mouros maometanos metafísicos metidos a muito machos, não havia pensamentos obscenos, não havia felicidade e falsidade, não havia o ódio dos saudosistas do vinil, não havia Nise da Silveira, Bispo do Rosário, Édson de Sousa, Lacan, Dali, Bosch, Fernando Pessoa, Jung, Freud, Win Wenders e Merleau-Ponty... não havia os acordes iniciais de Starway to Heaven, não havia gases intestinais produzidos por bactérias a partir da decomposição de batatas fritas, não havia sarvalap satricse oa oiràrtnoc, não havia um detector de extraterrestres de outro planeta, não havia relógios com a hora certa em Vladivostok, não havia um escritor em frente à tela de um computador escrevendo sobre uma sala retangular, cujas paredes eram brancas e só.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Sobre a liberdade e a molecularização da política...

Vivemos realmente em uma sociedade democrática?
Em certos aspectos, que Deleuze e Guattari chamam de macropolíticos, ou instituídos, sim. O Brasil é uma democracia, todos temos direito a liberdade de expressão, consumo, voto, a andar na rua sem a polícia pedir a carteira de trabalho, os professores não exercem mais autoridade sobre os alunos...
Contudo, retomando o pensamento de Foucault, o que chamamos por democracia talvez seja apenas um mundo de aparências, a ponta do Iceberg, ou memso uma grande ilusão adaptativa, afinal o poder não necessariamente brota do Estado, ou das leis, ou das instituições. Ele é microfísico, micropolítico, está enraizado na subjetividade, no sexo, na amizade, nas relações familiares e no cotidiano. O poder não possui centro, e sim relações de ecntralidade móveis, fluídas, metaestáveis, que em determinados momentos e configurações, assume a forma sólida e férrea de autoritarismo, violência e fascismo. E medo, muito medo.
A molecularidade do poder é distribuída institucionalmente em pequenos nichos de autonomia relativa regulados por instâncias superiores através de funções estratégicas e ameaças subjetivas, relativas.
Eu escrevo isso porque tenho experimentado esta sensação nas universidades públicas. Durante toda minha formação acadêmica, eu vivi esta ilusão de que o mundo da educação federal seria levemente anárquico, e pos cargos de chefia seria funções administrativas, assim como o cargo de professor, no mundo democrático e livre, seria o de facilitador, potencializador, libertador da criatividade e incentivador da auntonomia. Grande engano. Vivemos todos com medo. Não podemos levantar a voz ou discordar daqueles que nos são superiores, pois estes portam códigos e gerenciam redes de relações que exercem contrangimento e coerção, e usam da burocracia como arma. Quem faz pesquisa não tem seus projetos encaminhados, quem está com o horário cheio de aulas vai ganhar horas a mais e quem está em estágio probatório vive sob o medo da demissão. E não podemos citar as leis, o direito, os códigos que garantiriam  nossa expressão, nossa revolta, nossos direitos de trabalhador. A racionalidade gerencial hegemônica que outrora era exclusividade das empresas privadas agora começa a percorrer snagüíneamente as empresas públicas, sob os velhos eufemismos da eficiência, velocidade e eficácia. Estamos sujeitos a sistemas informáticos de notas,  exames, presenças, faltas, tempo e espaço, cartão ponto biomecânico e a antiga prática do cala a boca para não te incomodar, faz o meu que eu faço o teu...
E aqui vamos nós...

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O cotidiano universitário e os regimes de signos

Há 16 anos participei de um EREP (Encontro Reginal de Estudantes de Psicologia), já como oficineiro, mesmo estando no primeiro ano da faculdade. Hoje já sou doutor e professor da Universidade Federal de Rio Grande, e sempre levarei comigo as questões trabalhadas naquele encontro, cuja temática foi "O cotidiano universitário: como anda a sua relação com o conhecimento". Eu jamais imaginaria naquela época o  quanto revolucionário e pertinente é este tema.
Na semana passada participei de uma reunião de integração de funcionários e professores da FURG. A integração visa apresentar ao funcionário as regras da instituição e o regime legal do serviço público, bem como direitos e deveres. A psicóloga pediu que cada um se apresentasse e falasse um pouco de sua trajetória até chegar na universidade. Foi surpreendente perceber que uma parcela considerável dos professores recém- contratados nunca tiveram experiência docente, e estavam apavorados porque  ao ingressarem na universidade tornaram-se responsáveis por várias turmas  de graduação, a maioria cheias de jovens estudantes.
Esta é a consequüencia das políticas de produção de pesquisa implementadas pela CAPES aos programas de Pós-Graduação na época do governo Fernando Henrique Cardoso, marcada pelo sucateamento das universidades públicas. Naquela epoca, a única maneira de  conseguir comprar equipamentos  e manter os cursos era investir todo o capital humano na pós-graduação e na pesquisa
A pesquisa é hoje, muito mais valorizada nas universidades públicas do que o ensino, e  em alguns lugares os pesquisadores doutores mais antigos não entram em sala de aula, repassam suas cadeiras na graduação para mestrandos e doutorandos. Esta valorização é amplificada pelo fato de a produção científica poder ser quantificada e medida, já a qualidade do ensino de sala de aula fica quase que exclusivamente restrita ao professor e aos alunos. Em termos de recompensa profissional, uma boa aula vale a mesma coisa que uma sessão de tortura.
Foi formada, pois, uma geração inteira de mestres e doutores voltados unica e exlcusivamente para a produção de arigos científicos e que nunca se preocupou com o o fazer docente, com as relações professor-aluno, com pedagogias criativas. A tendência é ser anexado pelas práticas disciplinares que segmentarizam e regulam as práticas institucionais na escola: quadro-negro, powerpoint, chamada, aula expositiva, exames. Tais práticas são seculares e surgem nos mesmos contextos mapeados por Michel Foucault em obras como Vigiar e Punir e Microfísica do Poder.
Ensinar e aprender nesta perspectiva disciplinar desloca o foco do conhecimento e o direciona para o poder. As disciplinas acadêmicas, bem como as práticas docentes, tendem a ensimesmar-se e pouco dizem das multifacetadas realidades da vida profissional. Na obra Mil Platôs, Vol 02, Deleuze e Guattari denominam este mar de práticas reproduzidas e compulsórias de "Regimes de signos". Mesmo que o texto dos filósofos franceses se refira a educação para crianças, ele cabe perfeitamente no ensino superior, pois a  lógica se reproduz:
"A professora não se questiona quando interroga um aluno, assim como não se questiona quando ensina uma regra de gramática ou de cálculo. Ela "ensigna", dá ordens, comanda. Os mandamentos do professor não são exteriores nem se acrescentam ao que ele nos ensina. Não provêm de significações primeiras, não são a conseqüência de informações: a ordem se apóia sempre, e desde o início, em ordens, por isso é redundância. A máquina do ensino obrigatório não comunica informações, mas impõe à criança coordenadas semióticas com todas as bases duais da gramática (masculino-feminino, singular-plural, substantivo-verbo, sujeito do enunciado-sujeito de enunciação etc). A unidade elementar da linguagem — o enunciado — é a palavra de ordem. Mais do que o senso comum, faculdade que centralizaria as informações, é preciso definir uma faculdade abominável que consiste em emitir, receber e transmitir as palavras de ordem. A linguagem não é mesmo feita para que se acredite nela, mas para obedecer e fazer obedecer. "
Desta forma, eu convoco os leitores que fazem parte do mundo acadêmico e universitário a formularem as seguintes perguntas a si mesmos e a seus professores:
O que fazem os alunos quando  não gostam das aulas, da disciplina ou do professor?  E o que professor faz quando percebe isso? Alguém já perguntou a seu professor sobre os fundamentos científicos de sua didática ou de sua pedagogia? Ou mesmo: se elas são comprovadamente úteis na formação de um profissional?Os professores sabem realmente por que aplicam provas aos seus alunos ou se os critérios de pontuação e avaliação são realmente eficazes para a formação de um profissional? Alguém lê  pelo menos uma parte da produção científica de seus professores, mesmo ela sendo internacional e em língua estrangeira?
 Enfim, nós, alunos e professores, realmente pensamos sobre o cotidiano universitário e nossa relação com o conhecimento?

domingo, 19 de setembro de 2010

A hora e a vez do projeto caos

Está na hora.
As forças do instituído habitam a universidade como a grande coletividade dos "Borgs" do seriado Star Trek: uma massa de  metal e carne autogeradora de um sistema assimilador de diferenças, formatador de subjetividades. "Resistir é inútil" é o mantra que serializa homens e máquinas.
A universidade não é diferente.  Deleuze e Guattari, em um texto genial de  Mil Platôs, Vol 2, atentam para os regimes de signos, palvras de ordem, e toda sorte de binarismos da educação. A máquina subjetivadora divide, separa, esquadrinha: professores-alunos, produção científica, avaliações, notas, cadernos, chefias. Tudo isso é transversalizado por amores e ódios, relações de dominação e etnocentrismo, os bons e os ruins, eos escravos e o senhores. É claro que é impossível lutar contra tudo e contra todos.
Mas pelo menos  eu posso marcar meu território, resistir, inserir virus no sistema.
Eu não cheguei não longe para desistir.
O projeto Caos começará. Em cada aula, em cada reunião, em cada mensagem a energia entrópica ser´irradiada
Este tigre não é domesticável.