Não fuja da luta, covarde

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Empate

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Das Cronicas Invisiveis: A Universidade e os mortos que andam e comem cérebros..

Durante algum tempo escrevi uma coluna no Jornal Agora, de Rio Grande, chamada Crônicas Invisíveis. A ideia inicial seria uma espécie de sessão de Psicologia mas o monstro literário deformado que habita em mim converteu o espaço em algo "imprevivisível", Abaixo uma das minhas favoritas, muito contemporânea, escrita em maio de 2012
No conturbado e simbólico mês de maio, dois eventos sociais entrecruzaram-se em meus universos de referência: no dia 17 foi deflagrada nossa greve, e no Centro Cultural Santander, em Porto Alegre, aconteceu a mostra “Apocalipse Zumbi”, cuja programação consistiu em 08 filmes produzidos apenas no ano de 2011, todos eles variando sobre o mesmo tema dos “mortos-vivos”.
Mas como assim mortos-vivos?
Meus dedos percorrem o teclado, pressionam a tecla backspace, percorrem novamente as teclas...Vozes internas fazem e refazem as idéias... pensam e repensam...Penso, respiro, movo as pernas para certificar-me... De que elas estão se movendo aos meus comandos.E o que comanda os dedos, as pernas, a respiração? O cérebro, inexoravelmente é o cérebro que comanda tudo, as células nervosas, os potenciais  de membrana, as fendas sinápticas. Estou vivo porque o coração bate, o pulmão infla, o sangue irriga o cérebro e permite que o pensamento saiba que estou vivo. Prefiro, na maioria das vezes não pensar em como seria se o cérebro parasse de produzir eletricidade e o pensamento parasse...Mas, afinal, que lacuna é essa entre o espaço sináptico e a língua, a fala, o discurso,  a construção de uma teoria sobre o mundo, o conceito de vida e  de morte?
A neurociência e a psicologia dobram-se e desdobram-se em cartografar o portal desconhecido entre o corpo e o pensamento, e como no paradoxo de Zenão, quando estão a meio centímetro entre Aquiles e a Tartaruga, precisam percorrer ainda metade do caminho para chega lá.
Por enquanto, nos resta viver, e pensar sobre a vida. O pensamento, a ideia, a filosofia o conhecimento, carregam o cadáver biológico no temporalizar e espacializar da existência.
O corpo sem pensamento  e sem movimento é um cadáver, e enquanto ele não se dissolve nas redes biológicas, é mais imóvel que a mais antiga das rochas.
Agora, o que acontece quando o corpo se move sem o pensamento, sem a existência, sem a vida? Mary Sheley, em seu fantástico romance, conta a história de um cientista que costurou partes de corpos mortos e, ao alimentá-los com descargas elétricas, deu animação a um protosujeito, uma criatura ao mesmo tempo orgânica e automática
Lendas antigas vindas do continente africano versam sobre feiticeiros cujos poderes ocultos fazer os mortos emergirem da terra e caminharem sob seu controle, e a estes corpos que andam é dado o nome de Zumbis, ou Zombies.
Desde os anos 60, o cinema de Hollywood produz histórias sobre experiências científicas ou acidentes bioquímicos geradores de massas ululantes de cadáveres moventes e aterradores, que atacam populações de classe média em cenários pequenas cidades, invadem cotidianos e se reproduzem por contágio. Meu filme preferido deste gênero é “A Volta dos Mortos-Vivos”, cujos zumbis são gerados por um gás tóxico oriundo de uma arma biológica e percorrem as ruas alimentando-se de cérebros. Quase todo o roteiro consiste em pessoas vivas sendo perseguidas pelos zumbis que se multiplicam por contágio, ou seja, quando um ser vivo tem seu cérebro comido, torna-se um morto-vivo.
Nosso grande guru filosófico Slavoj Zizek assistiu a este filme, e, como bom filósofo vivo, pergunta-se: um ser vivo pertence ao mundo dos vivos, ele pensa, discursa, respira, imagina projeta universos e utopias; O cadáver é pouco mais do que uma pedra que não rola...
O morto-vivo é uma terceira categoria, que não pertence nem aos vivos nem aos mortos, que vive com apenas um objetivo: prosseguir diligentemente na tarefa de saciar uma fome paradoxal, visto que, enquanto morta não necessita de alimento. Mas afinal, na sua errância cadavérica, o morto-vivo nunca para para pensar por quê come cérebros sem precisar comê-los, ou nunca para para pensar porque nunca para para pensar.
Zizek produz a analogia dos zumbis com a das pessoas que perderam a memória por tragédias biológicas, ou as eternas vítimas das grandes catástrofes, os escravos contemporâneos ou aqueles trabalhadores que não detém a propriedade intelectual daquilo que fazem, os novos proletários. Os zumbis da contemporaneidade são protocidadãos que habitam cidades, fábricas, empresas e circulam pelas ruas, consomem, caminham, ocupam espaço, porém desprovidos da paralaxe entre o cérebro e o discurso.
O morto-vivo apenas prossegue...
Agora, o que isso tem a ver com a Universidade os dias de hoje?


segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Texto em Construção:“Você não imagina as coisas que eu vi com os seus olhos”



Artigo em construção.
Você não imagina as coisas que eu vi com os seus olhos”Um olhar psicanalítico sobre Blade Runner
Eu assisti Blade Runner pela primeira vez na televisão, em algum lugar na segunda metade da década de 80, o seu enunciado chamava atenção como filme de ficção cientítica e ação “O caçador de andróides”, no mesmo festival televisivo de “O exterminador do futuro” e , depois pela segunda vez no cinema São João, no centro de Porto Alegre, quando foi lançada a chamada “Versão do diretor”, e depois disso já nem lembro mais quantas vezes assisti com amigos e amigas psicólogos e não cansávamos de debatê-lo, e pensá-lo, até os anos passaram, virei professor e em 2007, quando trabalhava no curso de Psicologia da URI em Erechim criei um ciclo de Cinema a Psicologia e decidi começar por esse grande clássico. Depois de muitos anos de culto ao filme, aproveitei as quase sete horas de viagem desde Porto Alegre para, finalmente, ler o livro, algo que me provocou um choque inesperado pela enorme discrepância narrativa entre o texto e a tela, algo que , em geral acontece, mas não de forma tão radical. Senti uma certa vertigem porque aquilo que pretendia debater e analisar no festival caiu por terra. Os anos passaram e assisti mais algumas vezes até que neste ano Riddley Scott delegou a Denis Velleneuve a tarefa de criar uma continuação chamada “Blade Runner 2049”, o que me levou a ver mais vezes o filme antigo, sua versão anterior e ler o livro, e a ver o filme novo três vezes, e a escrever este texto. Cada vez que repeti a experiência ela nunca foi a mesma, e a versão do diretor mudou a versão antiga, o filme representou uma guinada radical na interpretação do filme e o filme novo reconfigurou toda experiência literária e cinematográfica anteriores. Livros e filmes são objetos da visão, porém, mais além disso, constituem objetos do Olhar. A estas idas e vindas do desejo de experimentar e pesquisar li e reli o seminário 11 de Lacan, quando ele se refere a Merleau Ponty e sua fenomenolgia da percepção e indiretamente a Freud e suas noções de objeto e realidade psíquica para me dizer que aquilo que vemos não vemos olhamos, e o que nos vê, olha para nós. Na primeira cena do filme aparece o close de um olho e neste olho está refletida a vista aérea da cidade de São Francisco em 2019,mas é um olho que estamos vendo sentados na poltrona, no lado de fora da tela , mas ela transmite a ideia que estamos de costas para a janela e somos transparentes, como se olho nos atravessasse.Blade Runner em seus elementos diegéticos e extra diegéticos, em distintas cenas, diálogos conceitos textos, deslocamentos, condensações nos mostra olhos e olhares, olhares que escreverei aqui para olhos leitores, ou escrileitores, pois como nos exemplifica o artista Grahan Fink, que faz desenhos com os olhos, usando uma tecnologia sensorial.
Não é assim que nosso olhar produz o objeto e no objeto?


Posso me sentir sob o olhar de alguém cujos olhos não vejo, nem sequer vislumbro. Basta apenas que alguma coisa me indique que outros podem estar ali. Essa janela , se estiver um pouco escuro e eu tiver razões para pensar que alguém estiver atrás dela, é imediatamente um olhar” Jacques Lacan, Seminário 11

-“Eu conheço você, eu projetei seus olhos”
-“Você não imagina as coisas que eu vi com SEUS olhos”
O diálogo acima pertence a uma cena de Blade Runner de 1983 em que os Replicantes encontram o engenheiro geneticista da corporação Tyrell e é uma entre tantas outras que enfatizam as complexas relações do olho, da visão e do olhar presentes na narrativa de Riddley Scott: os olhos artificiais, o olho da coruja, a iluminação que desnuda as pupilas dos personagens, Darryl Hannah usando tinta spray como maquiagem, e , é claro os belos olhos azuis de Rutger Hauer quando relata ao perplexo e onipotente Deckard as maravilhas que viu em sua curta vida, que encerra “lágrimas na chuva”.
Para quem leu o livro de Phillip K. Dick a obra de Riddley Scott é algo absolutamente estranho, pois além de todas as mudanças no caráter dos personagens e na prórpia essência da história, o diretor produziu uma obra cinematográfica que priorizou absolutamente os aspectos sensoriais do cinema.
A narrativa e o roteiro são simples, a discussão a respeito de humanos e máquinas já havia sido feita em outros filmes (em 2001 de Kubrick e Clarke e até mesmo no Alien do próprio Scott).
O verdadeiro impacto de Blade Runner está em condensar o apetite do Olhar, distinto do Ver como percebe Lacan quando evoca a fenomenologia da percepção de Merleau-Ponty: a visão não é mero atributo dos raios de luz que atingem o olho ou do mero processamento de informação. Há algo para além da visão que implica no desejo alienado ao desejo do Outro, “via-me vendo-me” diz Lacan, inagurando o conceito de Pulsão escópica. Ora, no cinema, diz Christian Metz, há muito mais eventos que acontecem “atrás” das câmeras que podem durar anos e que são exibidos ao espectador em algumas poucas horas em uma sala escura, gerando o paradoxo: nada acontece no filme quando os atores estão presentes, e tudo acontece, a explosão do gozo filmíco se dá justamente quando os atores já não estão mais lá, e nos prendemos ao enredo, a luz, ao som, a voz...
Blade Runner de Riddley Scott, como diz Zizek do próprio cinema, nos diz o que devemos desejar, nos inscreve escandalosamente no desejo de desejar, nos jogos de luz e sombra, na música hipnótica de Vangelis, no absoluto pesadelo de uma cidade infinita em um planeta morto.
Pois Blade Runner 2049 é tudo isso acompanhado de um jorro pulsional libertado de 30 anos de latência, mas que se atualiza dialeticamente ao ano de 2017, a data exata do nascimento dos andróides do filme antigo.
Novamente é trazido um enredo simples e singelo, comparado ao turbilhão obsessivo de filmes, séries, mangás, quadrinhos e toda sorte de tecnologia que explora as relações de humanos-máquinas.

Nosso artigo propõe um Olhar para além do ver o filme, o Olhar da pesquisa psicanalítica que é a que acontece em situação de transferência , de amor pelo cinema, pela obra e pela teoria de Freud e Jaques Lacan e suas ressonâncias no Sloveno Slavoj Zizek. Este olhar é esquadrinhador de potentes conceitos que nos fazem ver com outros olhos: os olhos andróides, os olhos do Olhar, dos registros do Real, Imaginário e Simbólico, dos significantes e da dialética do desejo naquilo que nos faz humanos.
A obra cinematográfica Blade Runner transborda os limites da experiência unívoca de ver “um filme” vamos considerar aqui seus efeitos em um conjunto de quatro tempos que conectam os admiradores da obra em ua mesma cadeia: o livro de Philip K, Dick “Andróides sonham com ovelhas elétricas” o primeiro filme de Riddley Scott, com o crivo da produtora de Hollywood “Blade Runner” e Blade Runner, versão do diretor (atualmente chamada de “The Final Cut”)
Defendemos aqui uma possibilidade de ressonância da obra cinematográfica como articuladora de material imagético semelhante aos mecanismos de produção de material e codificação do sonho propostos por Freud no livro “A Interpretação dos sonhos”, pelo fato de o diretor Riddley Scott ter capturado sentidos do livro e os distribuído ao longo do filme em uma cadeia significante em processos de condensação e deslocamento. Para tanto precisamos primeiramente descrever “o caso” Blade Runner em suas distintas formações imagéticas para posteriormente acompanhar a cadeia significante e seus múltiplos nós: o Olhar, as memórias implantadas e o sujeito que se constitui no desejo do Outro, o humano, o medo, a imagem.
Ponto de partida: o livro de Phillp K. Dick

Além disso, hoje ninguém se lembrava por que a guerra eclodira ou quem a vencera, se é que houve vencedores. O pó que contaminara a maior parte da superfície do planeta não teve origem em nenhum país, e ninguém, nem mesmo os inimigos da guerra, o havia planejado. Primeiro, estranhamente morreram as corujas. Na época foi quase engraçado, as aves brancas, gordas e felpudas caindo aqui e ali, nos quintais e nas ruas; saindo apeinas ao crepúsculo, como faziam quando estavam vivas, as corujas passaram despercebidas. As pestes medievais manifestaram-se de modo semelhante, sob a forma de muitos ratos mortos. Esta pesre, porém, vinha do alto. É claro que depois das corujas vieram outras aves, mas na época o místério tinha sido compreendido. Antes da guerra, haviam colocado em vigor m programa de colonização inadequado, mas agora que o sol deixara de brilhar na Terra a colonização entrara em ua fase inteiramente nova. Ligada à colonização, fora modificada uma arma de guerra , o “Combatente Sintético da Liberdade”, capaz de funcionar em um mundo alienígena, o robô humanóide-estritamente falando, o andróide orgânico-passou a ser a mula de carga do programa de colonização. Sob a legislação da ONU, cada emigrante automaticamente recebia um subtipo de andróide de sua preferência e , em 2019, a variedade de subtipos desafiava toda a compreensão como os automóveis americanos da década de 1960. Esse foi o incentivo definitivo à emigração: o servo andróide como isca e a precipitação radioativa como vara de pesca. A ONU facilitou a emigração e tornou difícil, até mesmo impossível, ficar na Terra. Permanecer na Terra podia significar ver-se repentinamente classificado como biológicamente inaceitável, uma ameaça para a imaculada hereditariedade da raça. Depois de identificado como especial, um cidadão,mesmo que aceitasse a esterilização, saía da história. Na realidade, deixava de fazer parte da humanidade.” Phillip K. Dick, 1968/2007 “Do androids dream of eletric sheep?”RJ Editora Rocco
O ano é 2021 e a Terra sobreviveu ao que o livro chama de “A Guerra de Terminus”, o que acabou com boa parte dos ecossistemas e animais vivos. Como sequelas da guerra a Terra vive sob uma intensa nuvem de poeira tóxica e radioativa, e os habitantes que sobraram são proletários que não possuem recursos para emigrar ou não foram aprovados em testes genéticos devido a contaminação . A indústria genética e robótica está altamente desenvolvida e são fabricados andróides e animais robôs, sendo os animais verdaderios raros e caríssimos. A humanidade divide-se em Humanos coloniais, pessoas rejeitadas genéticamente e condenadas a viver na Terra e andróides.Andróides rebeldes eventualmente fogem dos planetas colonizados (onde são escravos ) e fogem para a Terra, exigindo o trabalho de caçadores de recompensas para caçá-los,
Rick Deckard é um caçador de recompensas medíocreque vive uma vida de classe média, é casado, possui um regulador psiquico para ele e sua esposa (uma máquina que capaz de controlar emoções por impulsos elétricos neuronais) e vive o luto de sua ovelha verdadeira, Groucho, ter morrido de tétano por sua negligência. Deckard tem uma obsessão por capalogos de venda de animais e sonha possuir um animal grande de verdade (ovelha, cavalo, etc) tendo comprado uma ovelha artificial, mas sente vergonha e inveja de seus vizinhos , muitos deles possuidores de animais verdadeiros. Seu salário dá para o sustento mas Deckard planeja caçar mais andróides para conseguir 5 mil reais e comprar um animal verdadeiro. Seis andróides rebeldes fogem de seu planeta e vão parar na Terra, e Deckard recebe a missão de caçá-los. Enquanto “retira”os andróides Deckard depara-se com Rachael e e seu pai, o dono da Rosen Corporation, e persegue sua obsessão por animais verdadeiros. Deckard testa Rachael e ela e seu pai tentam enganá-lo e suborná-lo com uma coruja verdadeira
No livro existe uma religião chamada Mercerismo. O mercerismo é descrito como uma religião em que os fiéis se conectam por computadores em uma espécie de realidade virtual em rede onde é transmitido o sofrimento de u mártir chamado Wilbur Mercer, e os fiéis conectados experimentam seu sofrimento em uma espécie de grande fusão empática coletiva. Apesar de não ser citado no filme, o mercerismo dá origem ao teste de empatia de Voigt-Kampf que apara
ece no filme como o detector de andróides. Ao longo dos anos os humanos sintéticos vão sendo aperfeiçoados em inteligência, até chegar na série Nexus 6 que chega a ser mais inteleigente que a maioria dos humanos, contudo, é imune a empatia do Mercerismo. Segundo Dick, até os animais mais primitivos desenvolvem inteligência, mas poucos conseguem ser empáticos.Deckard discute com seu chefe a existência de humanos que não são aprovados no teste de Voigt Kampf
No livro há um personagem cuja história acontece em paralelo que é John Isidure, um humano que foi descartado pela contaminação e por ser retardado mental e um fanático mercerista. No filme ele seria substuído por JF Sebastian, genio da robótica que sofre de uma sindrome degenerativa. O que há em comum aos personagens é o fato de viverem sozinhos em um prédio e possuírem uma doença. O Deckard doivro que guarda pouco do charmoso detetive noir de vivido por Harrison Ford simplesmente percorre a trama em sua obsessão por conseguir recursos para ter uma ovelha e viver sob os preceitos do Mercerismo. Deckard leva a cabo a retirada de todos os andróides: na ordem: Polokov (que no filme ataca Holden, o caçador numero Luba Luft (que é cantora de ´ópera e questiona Deckard se ele é um andróide), Garland (policial) Roy e Irmgard Batty, Pris, estão disfarçados de policiais em uma espécie de distrito policial falso, Deckard os encontra em uma espécie de jogo de espelhamento, onde eles tentam convencê-lo que é um andróide e eles são os caçadores.sem nenhuma questao existencial. O detetive conhece um outro Blade Runner que chega a confundir com um andróide e que o ajuda a matar Luba Luft, porém ele se sente mal com isso por ela ser um agrande cantora de ópera e não ter feito mal a ninguém. Deckard aplica uma questão do teste em si mesmo e descobre sentir empatia por andróides.
Ao exterminar 3 dos 6 andróides, Deckard compra uma Cabra verdadeira, o que tem efeitos terapêuticos sobre ele e a esposa, mas ainda faltam três andróides, e Deckard pede ajuda de Rachael, que o encontra em um hotel, ambos ficam bêbados e acabam tendo relações sexuais. Ambos ficam confusos com a relação humano-andróide, a emoções e ao fato de eles terem vida curtae ele deixa para caçar os tês andróides restantes, que estã escondidos no prédio de Isildur. No momento da caçada um apresentador de TV anuncia que o mercerismo é uma fraude, e Isildur tem alucinações com Mercer. Após matar facilmente os três andróides Deckard foge para um lugar afastado e tembém começa a ter alucinações, encontra um sapo que pensa ser verdadeiro e vai para casa,quando sua esposa lhe conta que Rachael matou sua cabra. Deckard descobre que o sapo é artificial, mas dá pouca importância a isso e vai dormir. Fim da história.
O filme de Riddley Scott, o corte final
  • Ela é um replicante, certo?
  • Estou impressionado. Quantas perguntas são necessárias para identificar um deles
  • 20 ou 30, cruzando os dados
  • No caso de Rachael levou mais de 100
  • Ela não sabe
  • Mas acho que começa a suspeitar
  • Suspeitar?como pode não saber o que é?
  • A meta da Tyrrel é o comércio, nosso lema é “mais humano que um humano”, Rachael não passa de um experimento, nada mais. Começamos a identificar neles uma estranha obsessão, afinal, não tem experiência emocional e apenas alguns anos para armazenar essas experiências que você e eu temos como certas. Se lhes dermos um passado, temos um ambiente aconchegante para as suas emoções, e , consequentemente, podemos controlá-las melhor.
  • -Memórias! Você está falando de memórias!!!!
Você parece sozinho, J. F.”
Ah, eu faço amigos. Digo, faço mesmo, meus amigos são brinquedos, eu os faço,sou designer genético, é um hobby”
O ano aqui é 2019 e o cenário é semelhante ao do livro, porém estamos em Los Angeles sob uma constante chuva. Quatro andróides da série Nexus 6 fogem de seu planeta em direção a Terra e Deckard , um caçador de andróides aposentado ( o melhor deles) tem a missão de retirá-los.O Deckard do filme é um homem taciturno, solitário e, enquanto caça os Andróides, que buscam a cura para sua vida curta ( no filme, diferentemente do livro, por serem inteligentes de mais são programados para viver apenas 4 anos, como mecanismo de defesa para caso dedesenvolverem emoções) Deckard depara-se com Tyrell (no livro era Rosen ) e sua Filha Rachael . Tyrrel solicita que Deckard faa o teste de Voigt Kampf aplicado em andróides em uma humana, sua filha. Deckard aplica o teste e descobre que ela é uma andróde muito sofisticada e que não sabe. Rachael o visita e Deckard revela sua natureza inclusive que suas memórias são memórias da sobrinha de tyrrel implantadas, o que provoca grande tristeza em Rachael
Roy caça a dançarina a partir de uma pista a partir de fotos encontradas no apartamento abandonado de Kowalski, utilizando uma tecnologia apurada de ampliação de fotos tiradas pelo replicante, uma ampliação radical e obscena do olhar do outro.Açiás, as fotos são importantes marcadores temporais, provas de uma existência anterior, Rachael mostra a Deckard uma foto da infância como prova de que não seria humana, mesmo em um futuro onde seja fácil manipular imagen como também o é para memórias,
Após matar a dançarina diante dos ollhos de Kowalski e em uma das imagens mais marcantes do filme que é o cadáver da replicante estático em meio a manequins de vitrine.Dekckard pede a Rachael que o encontre em um bar. Rachael recusa. Ao sair do bar Deckard é atacado por Kowalski mas Rachael salva sua vida atirando na cabeça do replicante, enquanto espancava o detetive, o replicante diz “ nada pior que viver com medo” “nada pior que uma coceira que não se pode coçar”Rchael havia fugido de Tyrell e Deckard lhe dá abrigo. Rachael pergunta a Deckard se ele sabe sua data de criação e sua longevidade, pergunta se ela fugisse para o norte ele iria caça-la ( ele responde que não porque lhe deve uma) e se ele mesmo se submeteu ao teste. Deckard adormece e é acordado por Rachael tocando piano (o piano permanece no filme de 2049, duas vezes, na segunda Joe encontra Deckard dizendo que segiu o piano) Deckard desperta com Rachael soltando o cabelo, ele faz ela dizer que o ama, e eles fazem sexo; Após fazerem sexo, Deckard sonha com um unicórnio. Ao sair para caçar andróides, o chefe de polícia diz a ele que Rachael precisa ser caçada
Os andróides seguem sua busca por Tyrrel, matam o engenheiro projetista de olhos e cohecem JF Sebastian, outro engenheiro genético, , seduzido por Pris (semelhante ao livro.que os levará a Tyrrel, que é morto por Roy, tendo seus olhos furados.
Deckard descobre o endereço de JF Sebastian e consegue matar Pris , porém é Roy Batty o mais difícil e em uma cena antológica no cinema após uma luta no alto de um prédio, Roy Batty. Salva a vida de Deckard e, diante dele, profere seu discurso existencial, em uma das cenas mais famosas e significativas da história do cinema
I've seen things you people wouldn't believe. Attack ships on fire off the shoulder of Orion. I watched c-beams glitter in the dark near the Tannhäuser Gate. All those moments will be lost in time, like tears in rain. Time to die.
Eu vi coisas que vocês não imaginariam. Naves de ataque em chamas ao largo de Órion. Eu vi raios-c brilharem na escuridão próximos ao Portão de Tannhäuser. Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer.
O colega de trabalho de Deckard, vivido por Edward James Olmos, após essa cena, fala para ele : “uma pena que ela tenha que morrer, mas, afinal, quem vive?”
Deckard volta para casa para buscar Rachael e fugir. Na entrada de seu apartamento há o origami de um unicórnio. Seu colega detetive fazia origamis.
A cena final é Deckard e Rachael entrando no elevador e fugindo.
Duas rupturas, duas versões
Na primeira versão de Blade Runner exibida no Brasil o filme é narrado em off pelo protagonista, não existe a cena em que ele sonha com o unicórnio. O fim do filme mostra o casal andando de carro em um lugar repleto de árvores (que seria o norte, não afetado pela poluição)
Na versao final cut o significante unicórnio (o detetive sabe o conteúdo de seus sonhos dá a entender que Deckard possui memórias implantadas, logo , é um replicante). Um pequeno detalhe, um detalhe infinitesimal quase imperceptível, um sonho conectado a um Origami. O Origami é um significante que só constitui o sujeito ligado a outro significante, cujo significado é barrado, só compreendemos através de uma vasta cadeia: andróides, memórias implantadas, Deckard no livro e no primeiro filme é humano e no segundo filme um semblante nos convence que ele é um replicante, nada dito, tudo imajado.
Em 2017, mais de 30 anos após o filme, Riddley Scott atua como produtor e contrata o diretor Denis Villeneuve e os roteiristas para dirigir um filme cujo mote é o fato de Deckard ser um replicante e seu romance com Rachael, em uma obra cuja história dá sequencia ao filme anterior e também resgata muitos de seus elementos e também o trasversaliza com elementos sutis oriundos da ficção de Phlip K.Dick totalmente sonegados por Scott. È a partir de 2049 que pretendemos percorrer as cadeias significantes da obra e produzir nossas reflexões.
A obra transmídia de Denis Villeneuve

O que o diretor Denis Villeneuve nos traz em seu filme é novamente um objeto sublime que desperta o desejo no Olhar: os cenários são grandiosos e belíssimos, os efeitos sonoros e a violência poética de um planeta destruído e renegado ao lixo provocam um encontro angustiante com nosso objeto mais paradoxal de desejo: a morte, não apenas como o fim da vida, mas como a morte do humano.


Em Blade Runner 2049 , após um grande atentado protagonizado por replicantes chamado “o grande apagão” em 2021 todos os ecossistemas todos foram aniquilados e a humanidade foi salva pela corporação Wallace que desenvolveu um sistema de cultivo de proteínas através de um tipo de verme.
Ainda que o filme tenha quase três horas de duração, Villeneuve apostou na intensidade e na duração das cenas em detrimento da cronologia e para compensar produziu três curta-metragens que complementam a trama e preenchem algumas lacunas do que teria acontecido entre 2019 e 2049. No primeiro curta, “2036 nexus down”,
A humanidade sobrevive. O chamado Futuro Distópico pensado por Phillip K. Dick é mais um paradoxo, afinal a humanidade atiingiu um nível de desenvolvimento tecnológico sem precedentes, colonizou outros planetas e conseguiu criar uma raça inteira de escravos feitos de carne artificial. Aqui vem a frase enigmática de outra ficcção distópica: matrix. Ao ápice do desenvolvimento tecnológico, a utopia daquilo que Bruno Latour chama de ciência moderna, é o absoluto desastre . Blade Runner é o contrário de Matrix, em Matrix as aparências enganam, em Blade Runner o visual opressor e sombrio do filme contrasta com o super desenvolvimento
Joi, Joy, Joe Enjoyment, Jouissance, Gozo
O Andróide de 2049 mora com uma mulher virtual, que habita um computador o holográfico em sua casa e gamha de presente um emanador que a torna portátil e “mortal”, o que é seu desejo. O humano definido por sua morte. Assim como no filme Her, a mulher virtual contrata uma replicante “de carne e osso” para fazer sexo com Joe e sobrepõe sua forma fantasmatica a forma “concreta”. A Assimetria da relação sexual e seus aspectos virtuais. A mulher “real” é expulsa pela mulher virtual..
"...encontrar-se na posição do amado é uma descoberta tão violenta, até traumática: ser amado me faz sentir diretamente o hiato entre o que sou como um ser determinado e o insondável X em mim que causa amor. A definição de amor de Lacan — amar é dar o que não se tem ... — tem de ser suplementada com... para alguém que não quer. Não é isso confirmado por nossa experiência mais elementar quando alguém declara de modo inesperado que nos ama apaixonadamente?A primeira reação, precedendo a resposta positiva, é que algo obsceno, intrusivo, nos está sendo impingido."
Em ZIZEK, S. Como ler Lacan. RJ, Jorge Zahar Editora, 2010
Aqui na referência que Zizek a Lacan temos vemos a total virtualidade envolvendo o amor entre um replicante que se parece com um humano fisicamente mas não o é por questões meramente abstratas e um software que projeta um holograma, uma fantasia, mas que é capaz de amar e ser amado. Aqui encontramos um espelhamento entre os dois filmes: o casal Deckard-Rachael- dois replicantes que não sabem se são ou não, que inicialmente pensam que ão humanos, e cuja posição seguinte é de Deckard pensar ser humano e saber que Rachael é replicante, para a seguir Deckar revelar a Rachael que ela é uma replicante pelo resultado do teste mas também pelo fato de saber o conteúdo de suas memórias implantadas, para ao final, Deckard, na versão do diretor, sonhar com um unicórnio e experimentar o traumático encontro com suas memórias implantadas ao ver que o Blade runner de Olmos fazer um origami do conteúdo do seu sonho, uma clara intrusão do Real. Quando Deckard é confrontado com Wallace, este lhe mostra o áudio de seu primeiro encontro com Rachael, as perguntas do Voigt Kampf, e lhe apresenta uma cópia dela e seu crânio, portador do código fundamental que representa a reprodução dos replicantes. Ao fazer uma verdadeira elegia ao amor dos dois Wallace lança uma nova ambivalência ao caráter humano de Deckard e Rachael, se o seu primeiro encontro seria amor ou precisão matemática. Humanos ou andróides, estamos todos presos a rede simbólica, o triunfo do simbólico sobre o imaginário; assim como a revelação da “desumanidade” de Deckard, no momento em que ele se descobre falsamente humano é sonhar com um unicórnio, uma memória falsa de um animal que não existe, a mais bela e sutil imagem da utopia

Um dos lugares-comuns de hoje é que o chamado sexo "virtual", ou "cibernético", representa uma ruptura radical com o passado, uma vez que, nele, o contato sexual efetivo com o "outro real" perde terreno para o prazer masturbatório, cujo suporte integral é um outro virtual —o sexo por telefone, a pornografia, até o "sexo virtual" computadorizado... Ar esposta lacaniana a isso é que, primeiro, temos que denunciar o mito do "sexo real", supostamente possível "antes" da chegada do sexo virtual: a tese de Lacan de que "não existe relação sexual" significa, precisamente, que a estrutura do ato sexual "real" (do ato praticado com um parceiro de carne e osso) já é
intrinsecamente fantasmática; o corpo "real" do outro serve apenas de apoio
para nossas projeções fantasmáticas. Em outras palavras, o "sexo virtual" em
que uma luva simula os estímulos do que se vê na tela, e assim por diante, não é
uma distorção monstruosa do sexo real, mas simplesmente torna manifesta sua
estrutura fantasmática subjacente”( ZIZEK, 1994 p.08)

Wallace é um homem cego que descobriu uma maneira de erradicar a fome no mundo distópico, e também o comprador do espólio da Tyrrel Corporation, é marcante a transmissão feita de um filme a outro, já que Tyrrel usava grandes óculos de lentes garrafais e foi morto pelo andróide tendo seus olhos furados e sangrando.
No espaço entre 2017 e 2049 há um grande apagão que deletou boa parte dos dados digitais , um grande esquecimento(que é relatado no filme e depois retratado em um Anime que faz parte do universo expandido). Após esse apagão a atividade andróide é proibida, e Wallace consegue negociar sua liberação a partir da criação de uma nova série de Nexus totalmente obediente (há um curta metragem no universo expandido no qual ele faz uma demonstração obrigando um replicante a suicidar-se). Neste novo Universo, os Blade Runners são replicantes obedientes que caçam replicantes antigos, e é aí que entra Joe. A história começa com Joe retirando Sapper, um nexus antigo que lutou em uma guerra na qual os humanos usaram apenas replicantes como soldados, descoberta feita ao longo da guerra e que provocou a revolta e o ataque terrorista de pulso eletromagnético que provocou o grande apagão
Joe é um replicante escravo blade runner que trabalha para a polícia em troca de dinheiro para viver uma vida tranquila com sua esposa “mulher virtual', e gasta seu salário comprando o emandor , Aqui vemos uma sutil referência ao livro , pois Deckard, no livro, é casado e vive uma rotina classe média, coleciona catálogos e caça andróides para juntar dinheiro e comprar uma ovelha de verdade. Na casa dele há um aparelho moderador de humor, quando tem uma discussão com a esposa, basta apertar botões e tudo se acalma (isso não aparece de forma alguma no filme antigo ) Outra referência ao livro é quando Joe interroga, em um asilo, o detetive que auxilia Deckard no filme original (também vivido por Edward James Olmos) e este diz a ele, exibindo um origami de ovelha: Deckar foi atrás do seu sonho, referência o título do livro “Andróides sonham com ovelhas elétricas” e ao sonho do Deckard original de possuir um animal de verdade.
Outra referência ao livro é o fato que não existir romance entre Deckar de Rachael, na obra de Dick Rachael é uma andróide programada para enganá-lo. No filme isso se converte na questão pricipal, Duas cenas são apresentadas com grande impacto emocional sobre os espectadores que cultuaram a obra de Scott por 30 anos:
amor ou precisão matemática, destino ou acaso, a reprodução dos andóides
O personagem Wallace tenciona produzir replicantes que se reproduzam para poder produzir mais, e diz “o mundo perdeu a coragem de ter escravos”, chama seus replicantes de anjos. Para os replicantes rebeldes a reprodução significa a liberdade de ser humano. Contudo, quando a lider da rebelião encontra Joe, este mostra frustração ao não ser o bebê, e ela diz 'todos nós desejamos ter sido”, ou seja, basta apenas um para o sonho ser possível , apenas um tem o gozo e este deve morrer; Aqui chegamos ao impasse. Replicantes são criaturas .
Aqui aparece duas noções: a de que os replicantes precisam ser humanos para serem escravos e a de que eles possam ser humanos para serem livres. Animais e máquinas não podem ser escravos, apenas humanos podem ser escravos.
Replicante é um significante que gera uma ambivalência: são replicantes porque replicam no sentido de contestar ou por que são produzidos por réplica ( em modelos-moda-cópias) e não reprodução.
No filme de 1983 os andróides são cópias humanas cujas diferenças são ínfimas, apenas identificadas por uma escala composta por perguntas complexas feitas por um examinador especializado e com o examinado ligado a aparelhos que medem seus sinais vitais, o tempo de reflexo e prncipalmente, o comportamento de suas pupilas.O chamado teste de Voigtt-Kampf é composto por perguntas que provocam um certo estranhamento pela sua aleatoriedade “Você está andando em um deserto e vê um cágado com o casco virado” “você vê seu marido lendo uma revista de mulher nua”, o olho do examinado está em evidência, como se o semblante humano fosse rompido pela violação da intimidade do olho. Em 2049 os andróides são praticamente indetificáveus a “olho nu”, pela nudeza do olhar e por um código numerico no “branco do olho”.
Aqui aparece uma das principais metáforas da subjetividade humana, paraSouza (2017): o código de barras, que em Blade Runner é expresso por “códigos que barram” os muros entre o que é ou não humano. Souza propõe o código de barras como metáfora de três espaços singulares, muito importantes aqui em nossa análise:
1)Como espaço de captura em um código que desconhecemos: o sintoma como barra, 2)como espaço de transmissão e de herança: a transferência como barra 3)como espaço de fundamento de um valor compartilhado: a utopia como Barra”
A Barra humanos-replicantes
A Escala Voigt-Kampf é substituída por um protocolo de stress pós traumático cuja mensagem é “células interligadas” a ser repetida continuamente.
Aqui o que interessa não é saber se um andróide é um andróide, e sim se ele se contaminou com empatia ao ser submetido a situações de intensa emoção.
Teste de parâmetro pós-traumático.
-Um sistema de células a interligar células interligadas dentro de células interligadas dentro de um eixo.E com um tremendo destaque, contra a escuridão, umafonte alta e branca jorrava.
-Você já esteve em alguma instituição? Células
-Células
-Você fica preso em uma célula (cela)? Células
-Células
-Quando você não está exercendo sua função você fica numa caixa pequena? Células
-Células
-Interligadas
-Interligadas
-Qual é a sensação de segurar a mão de quem você ama? Interligado
-Interligado
-Eles o ensinam a sentir dedo contra dedo? Interligado
-Interligado
-Você anseia por sentir o seu coração interligado? Interligado
-Interligado
-Você sonha em estar interligado?
-Interligado
-O que sente segurando seu filho nos braços? Interligado.
-Interligado
-Sente que falta um pedaço em você? Interligado.
-Interligado
-Dentro de células interligadas.
-Dentro de células interligadas
-Porque não diz isso três vezes?Dentro de células interligadas.
-Dentro de células interligadas, dentro de células interligadas, dentro de células interligadas.
-terminamos
Afinal, os andróides no universo do filme são produto de engenharia genética, são carne, tem células, sangram, morrem precisam comer.. O protocolo serve para verificar se as emoções “humanas”interferem no seus parâmetros “normais” de obediência. Joe apresenta defeito quando suas memórias implantadas encaixam na realidade, quando descobrem que elas são reais. Assim como a criança mítica que antes de nascer é apenas carne da qual os outros falam, no processo de constituição do sujeito passa de células interligadas para alguém que articula na fala a demanda e o desejo do outro passando de objeto a sujeito.
Células interligadas em células interligadas Em um caule. E terrivelmente distinta Contra a escuridão, tocou uma fonte alta e branca." Livro Fogo Pálido de Nabokov
Chefe:-você tem alguma memória significativa?
Joe: -tenho, mas faz algum sentido contar uma memória se ela é implantada? Como falar da infância se eu não tive infância?
Chefe- E se eu disser que é uma ordem?
Ao ser confrontado com sua condição de sujeito assujeitado, forçado na sua condição paradoxal de alguém que o trata como escravo mas, ao mesmo tempo o convoca a colocar-se como ser falante,Joe relata a sua a memória de viver em um orfanato e ocultar um cavalo de madeira onde está inscrita sua data de nascimento, e, ao visitar este orfanato, constata que sua memória implantada tem correspondência com a realidade, e o diretor compõe a cena deste enconttro com uma temporalidade lenta e trilha sonora de gravidade extrema, como se fosse uma espécie de pesadelo, um encontro insuportável das coordenadas da fantasia com sua correspondência na realidade. No filme antigo Harrison Ford é apresentado como um humano que duvida se é um replicante, e Rachael é uma replicante que pensa que é humana e descobre que suas memórias são implantes. Joe , no início do filme sabe que é um replicante e que suas memórias são implantadas, até o momento e que encontra a realidade e ela se encaixa nas suas memórias, para depois, como uma dialetica hegeliana do desejo, acaba reconhecendo que “as melhores memórias são criadas por stellina”, ou seja, coloca-se em uma posição de não mais importar com o que é “real” ou não, e , após viver toda sua vida como um escravo, morre em um ato de liberdade e transgressão. A cena final emula a morte do andróide no filme antigo, na primeira vez em que a trilha sonora do filme antigo é executada, o que provoca no espectador uma conexão, uma ponte entre significantes pelo laço afetivo enrte os filmes. “Hora de morrer”. No primeiro filme o poderoso caçador Deckard mostra-se pela primeira vez vulnerável tanto física quanto espiritualmente ( seu lugar de caçador de andróides maus é deslocado pela eloquencia da morte e da filosofia de Rutger Hauer e pela dúvida de ser também um replicante). Neste último filme, ao revelar-se como Replicante capaz de se reproduzir ,Deckard, ao encontrar sua filha, também morre como replicante para seguir rumo a algo que, segundo a replicante prostituta, é “mais humano que o humano”; uma citação explícita a Nietszche e ao que sua chefe diz “um muro que cai”, para que a verdade possa ser revelada.
Talvez o que Deckard tenha transmitido a seu “filho” Joe seja o processo de superar o imaginário de ser ou não ser replicante ou ser humano para inscrever-se na ordem simbólica de ser sujeito, de um significante para outro.ou Como diz Souza1, 2017
Vamos encontrar o termo ficção logo na abertura dos Escritos de Jacques Lacan com o clássico texto sobre a Carta Roubada, onde veremos enlaçada a relação entre verdade e ficção. Neste texto, Lacan nos apresenta um  sujeito  virado ao avesso pela ventania do significante. A verdade ali em questão é a ordem simbólica,  constituinte do sujeito. É esta verdade, escreve Lacan, que possibilita a própria existência da ficção. (LACAN, 1998, p. 14). Em outro momento , no Seminário sobre asRelações de Objeto vai ser mais categórico ao dizer que “a verdade tem a estrutura da ficção”. (LACAN, 1956/1957, p. 134). Abalo sísmico da psicanálise na pretensão daqueles que querem encontrar algum ponto fixo que nos oriente em relação a verdade.  Aqui, a  verdade, surge como ex-cêntrica, como fora do lugar e se há uma fixão” em cena é o do real, ou seja, do impossível que fixao sujeito na linguagem. Lacan, em sua gangorra poética, joga com esta imagem de ficção e fixão no “Aturdito”, conferência que realiza pelo quinquagésimo aniversario do hospital Henri-Rousselle em 1972.   Etourdi, em francês significa  distraído, que age sem refletir,  o que vive no mundo da lua. O distraído que nos salva, pois como lembra Leminski  distraídos venceremos .  Tour (volta) tourner ( dar voltas),  dar voltas em torno do “dire” , do dizer e do dito… 


Aqui vemos a referência edipiana, afinal na obra Edipo Rei o personagem percorre a trama em busca do assassino no seu Reino, que finda sendo ele mesmo. Joe chega a acreditar que descobriu um Outro eu desconhecido, que na verdade não é ele, mas cuja realidade se encaixa em sua memória.

No filme “Amnésia”, , de Christopher Nolan o personagem de Guy Pearce sofre uma terrível agressão cuja sequela é só poder reter os últimos quinze minutos de lembranças.Preso a uma memória traumática e ao constante apagamento, o personagem tatua no próprio corpo informações que considera importantes para empreender sua busca por justiça. A narrativa privilegia o ponto de vista do protagonista e Nolan consegue contar a história de trás para frente, e termina com a sensação de andar em círculos, de não sair do mesmo circuito, a imagem do Orobóros, a estratégia de tatuar lembranças fugazes fracassa pois o que está escrito não resiste aos apagamentos, a palavra presa na cadeia significante. Da mesma forma que as tatuagens do personagem de “Amnésia”, cujo título original é mais condizente com nossa argumentação “Memento”, fragmento de texto, de memória, Joe tem memórias implantadas e busca sua condição existencial ao tentar dar sentido a tais memórias, saber se o que vive é “verdade” ou não, e finda por descobrir também radicalmente que a verdade é efeito do sujeito na cadeia significante. Joe pergunta a Deckard se seu cachorro é de verdade, repetição do filme original quando é Deckard quem interroga se uma Coruja é de verdade, a resposta de Deckar é “não importa, pergunte a ele”.
No Universo de Blade Runner é possível testar uma pessoa ou um andróide e saber se são ou não reais, com os animais, apenas microscópios. Entre os animais não há distinção de animais e não animais. É no imaginário do homo sapiens que surgem as distinções humano-inumano-desumano-pós humano.Chama a atenção o fato de que, quando um Blade Runner mata um replicante, isso é chamado de “retirement”, que em português literal é aposentadoria, uma espécie de significante encobridor do assassinato. Estando no limite filosófico e jurídico, os androides são vidas sacrificáveis, ou, na linguagem de Giorgio Agamben, Homo Sacer, Vida nua sacrificável, como Wallace demonstra na horrendament bela cena em que uma replicante nasce, e logo em seguida ele a mata com uma faca. Aqui citar zizek em visão em paralaxe.

A questão aqui é que o nosso desejo está alienado ao desejo do outro, é a pergunta fundamental “Chue vuoi”, o que queres, o que vês, o que desejas, sendo que o sujeito emite a pergunta e recebe do Outro sua própria imagem invertida e como diz Nietzsche, se olhares demasiado dentro do abismo o abismo olhará para dentro de ti, ou o que Lacan diz no seminário 11 sobre a lata, você olha para a lata e a lata olha patra você, ou sobre o sábio chinês que sonha com a borboleta que sonha que é um sábio chinês

A prova é que, quando ele é a borboleta, não lhe vem à idéia se perguntar se, quando ele é Chuang-Tsé acordado, ele não é a borboleta que ele está sonhando ser. É que, sonhando que é uma borboleta, ele terá semdúvida que testemunhar mais tarde que ele se representava como borbole ta, mas isto não quer dizer que ele está capturado pela borboleta - ele é borboleta capturada, mas captura de nada, pois, no sonho, ele não é borboleta para ninguém. É quando está acordado que ele é Chuang-Tsé para os outros, e que está preso na rede deles, de pegar borboletas. É por isso que a borboleta pode - se o sujeito não é Chuang-Tsé, mas o homem dos lobos - lhe inspirar o terror fóbico de reconhecer que o batimento das asinhas não é tão afastado do batimento da causação, da ranhura primitiva queimando seu ser atingido, pela primeira vez, pela marca do desejo. )Lacan, S11, p.77


A ele é ordenado duas vezes que mate Deckard, pela polícia e pela resistência andróide, primeiro não mata Deckard por crer que ele é seu pai e depois não o faz,por justamente acreditar que poderia tramsitir esse afeto a Stallina. Joe é colocado em meio a uma guerra entre humanos e andróides, a profecia feita por sua chefe é que quando o muro das espécies caísse haveria uma guerra sem fim. Não é a toa que a cena em que ele salva Deckard se passa no muro entre o oceano e a urbe caótica.
A Raquel bíblica era estéril e morreu ao dar a luz.
Outra questão importante é que Stellina, a filha de Deckar de Rachael , a primeira replicante nascida de um útero é uma fabricante de memórias, e na cena em que encontra Joe pela primeira vez, explica seu processo de criação de memórias, sendo ela alguém que viveu em uma redoma de vidro desde os 8 anos , suas habilidades criativas são muito desenvolvidas, e ademais, explica que as memórias mais “reais” não são as mais detalhadas, e sim as que estão conectadas a sentimento, e que são as mais confusas. Isso tem a ver com as lembranças encobridoras , a lógica do fantasma e a identificação. Se joe tem consciência de suas memórias implantadas, ao mesmo tempo parece conformado com isso... o que o perturba é suas memórias corresponderem com a realidade
Nada é idêntico a si mesmo.Ela diz que já que os replicantes tem uma vida dura e um futuro incerto pelo menos que eles tenham boas memórias. Aqui vemos a interessante dsicussão sobre a atualização das experiências, que Lacan chama atenção no seminário 2, as memórias não pertencem ao “passado” e sim elas sempre surgem atualizadadas no presente, sempre novas narrativas submetidas aos distintos posicionamentos na cadeia simbólica.
Segundo sabemos por Stellina, implantar memórias “reais” em replicantes é ilegal, e talvez o tenha sido após o grande apagão, pois no primeiro filme Deckard provoca angústia em Rachael ao revelar que suas memórias são da sobrinha de Tyrrel
As memórias que Joe tem implanttadas, por algum mistério, são as memórias dela, como se ele fosse o portador de uma mensagem ambivalente, o sujeito da carta roubada, da mesma maneira que quando ele faz uma suposta descoberta que o leva a pensar ser o filho de Deckard, tudo parece cedo demais, e , na verdade é o resultado da estratégia de Deckard de embaralhar as informações para esconder sua filha: no arquivo estavam dois registros de DNA, de homem e de mulher e o da mulher constava como morto, a memória de Joe era de um menino, o segredo esteve sempre com ele assim como Stallina sempre esteve escondida bem debaixo do Nariz da corporação Wallace, como a carta

O que senti ao ver, ouvir, ao sentir os tremores no chão da sala de cinema foi puro desespero, como se meus olhos fossem furados e eu ficasse cego como o personagem Wallace, e, a partir do pesadelo da distopia a narrativa encerra com a utopia da morte tranquila sob o som de Vangelis enquanto o taciturno Deckard vislumbra a utopia no olhar de sua filha.

Nesse momento 30 anos da minha vida de amor ao cinema se miisturaram como lágrimas na chuva.




1http://psicanalisedemocracia.com.br/2017/10/ficcoes-rebeldes-trilhos-ilhas-agulhas%C2%B9-edson-luiz-andre-de-sousa/

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Dunkirk: o mundo já acabou e somos felizes




"Dunkirk", mais recente filme do diretor Christopher Nolan, é a evidência estética mais apavorante de uma verdade tão grande que somos incapazes de percebê-la: vivemos em um mundo que já acabou, e que estamos usufruindo apenas dos momentos finais da total aniquilação.
O historiador Eric Hobsbawn deu o título de seu livro "A Era dos extremos" por considerar  o que ele chama de "breve século XX" (que, segundo ele, ´breve porque teria começado em 1914 e terminado em 1989) o período de maiores avanços humanos e tecnológicos e também do de maiores genocídios de nossa história. Segundo o autor, as duas grandes guerras foram os primeiros conflitos em escala global e bateram recordes de civis e solados mortos, e na violação de inúmeros códigos de guerra até então respeitados no chamado mundo civilizado.  Um trecho de sua obra
"As maiores crueldades  de nosso século foram as crueldades impessoais decididas à distância, de sistema e rotina, sobretudo quando podiam ser justificadas como lamentáveis necessidades operacionais. Assim o mundo acostumou-se à expulsão e matança compulsórias em escala astronômica,  fenômenos tão conhecidos  que foi preciso inventar palavras para eles: " sem Estado" "apátridas" e "genocídio".
Nós, habitantes da bolha ontológica do séxulo XXI, abrimos livros de história e lemos palavras silenciosas e frias, ou acessamos documentários ou filmes inodoros que mostram  o moedor planetário de carne em um período de 30 anos : holocausto judeu, massacre armênio, campos de concentração alemães na polônia e japoneses na Manchúria,  duas bombas nucleares no japão, bombardeios de Napalm, submarinos, canibalismo e congelamento no front Russos. Hitler, Mussolini, Stalin e a indústria bélica americana ganhando status de motor da economia...
Nós não sabemos de nada...
 Quando entre na sala IMAX e já nos primeiros segundos de Dunkirk meu coração disparou junto com um tiro de fuzil que estourou meus tímpanos, que a câmera veloz com lentes profundas percorreu cenários   de tristeza cinzenta, desamparo, medo solidão...Milhares de jovens em fila na praia, encurralados pelos inimigos invisíveis, sendo bombardeados com intermitência,  ganhando esperanças vãs em navios que logo são afundados. Meninos sem vergonha de ter medo e muito distantes dos heróis corajosos... Nolan não dá identidade a seus personagens, pouco sabemos deles, um nome, um sobrenome,  um olhar... O espectador sobrevoa a ação e seus vínculos não são com os personagens... não, não com eles... e sim com a água gelada que penetra seus pulmões, o fogo, o ruído ensurdecedor das bombas.
França e Inglaterra unidas combatiam Hitler que encurralou as tropas na cidade portuária de Dunkerke, e Churchill  organizou o maior resgate de soldados que seu viu em todas as guerras.. Uns dizem que Hitler vacilou,  outros que permitiu a escapada pois ainda pensava em negociar com os ingleses uma aliança...
Mas isso não é verdade, é história.
A verdade é o que todos vemos no mundo atual: morte, medo, desespero que pouco entendem de países, logística... Países são lógicas abstratas. Jovens armados sob a mira de torpedos, granadas e metralhadoras são apenas carne explodindo, e fugindo, e sentindo....
"Dunkirk" não é mais cinema.  Eu nem sei o que mais é.
Só sei que  no nascimento do breve século XX um homem pode escrever sobre a canalhice tardia de nós, observadores da cínica história, herdeiros de um planeta morto, nós, os felizes.
"“Nós inventamos a felicidade” – dizem os últimos homens, e piscam o olho.
Eles deixaram as regiões onde era duro viver: pois necessita-se de calor. Cada qual ainda ama o vizinho e nele se esfrega: pois necessita-se de calor.
Adoecer e desconfiar é visto como pecado por eles: anda-se com toda a atenção. Um tolo, quem ainda tropeça em pedras ou homens!
Um pouco de veneno de quando em quando: isso gera sonhos agradáveis. E muito veneno, por fim, para um agradável morrer.
Ainda se trabalha, pois trabalho é distração. Mas cuida-se para que a distração não canse.
Ninguém mais se torna rico ou pobre: ambas as coisas são árduas. Quem deseja ainda governar?
Quem deseja ainda obedecer? Ambas as coisas são árduas.
Nenhum pastor e um só rebanho! Cada um quer o mesmo, cada um é igual: quem sente de outro modo vai voluntariamente para o hospício.
“Outrora o mundo inteiro era doido” – dizem os mais refinados, e piscam o olho.
São inteligentes e sabem tudo o que ocorreu: então sua zombaria não tem fim. Ainda brigam, mas logo se reconciliam – de outro modo, estraga-se o estômago.
Têm seu pequeno prazer do dia e seu pequeno prazer da noite: mas respeitam a saúde.
“Nós inventamos a felicidade” – dizem os últimos homens, e piscam o olho'
Nietzsche, Assim falou Zaratustra



quinta-feira, 3 de agosto de 2017

A Democracia dos Campeões

Sou um frequentador apaixonado do centro de Porto Alegre ,que hoje os eufemismos da gentrificação chamam de "centro histórico" algo que não é centro (fica na beira do rio) e não é o único lugar "histórico" de minha cidade. A ironia é um apanágio fundante gaúcho, e , por ela, nunca entrei em um de meus lugares preferidos da cidade: uma loja de troféus da Galeria Chaves. Eu passo em frente a loja quando quero acesso rápido da Andradas ao Mercado Público e sempre fico preso aos mesmos devaneios de como seria entrar ali e comprar um troféu para mim mesmo;Cheguei até a rascunhar em meus pensamentos o roteiro de um curta-metragem no qual um sujeito desiludido com a vida encontraria a solução definitiva para sua melancolia comprando uma medalha, uma taça ou uma estatueta dourada.
Pensei até no título "Auto estima: felicidade em três parcelas".
Mas desde ontem resolvi mudar o título para "Democracia brasileira como eu me lembro".
Ora, é claro que é um grande delírio pensar que eu seria um campeão comprando um troféu, afinal, para ganhar algo é preciso merecer: escrever alguma obra relevante, vencer um campeonato, enfim, destacar-se em alguma competição ou concorrência, fazer por merecer, conquistar, galgar degraus...
Quando os parlamentares brasileiros decidiram que esse país seria uma democracia a Assembléia Constituinte se reuniu e elaborou um dos documentos mais complexos e abrangentes da história brasileira, a Constituição de 1988, que instalou no Brasil um imenso software de democracia a ser utilizado por milhões de usuários que mal sabiam ligar seus computadores na tomada, ou retomando a metáfora do troféu, entraram em um campeonato no qual não sabiam nem as regras de inscrição.
Desde Fernando Collor de Mello a democracia Brasileira foi descobrindo as regras com o campeonato em andamento: de um lado a população e os movimentos sociais lutando pelas garantias de direitos e do outro os verdadeiros donos do país, as velhas capitanias hereditárias. 
Lembro do filme "Carruagens de fogo", sobre os atletas que disputaram a primeira Olimpíada da era moderna, sem saber exatamente o que era essa competição e acreditavam na máxima do barão de Coupertain "o que interessa é competir".
Nas Olimpíadas de hoje há pouco espaço para a surpresa, o amadorismo, os grandes heróis. O jogo é jogado estritamente pelas regras, pelo preparo, pelo inexorável poder econômico das nações. 
Assim como na política. 
Os profissionais da política agora dominam as regras do jogo e ganham todos os troféus, e descobrimos os poderes ilimitados da democracia capitalista: crimes de corrupção são julgados politicamente, o presidente indica ministros do supremo que irão julgá-lo e estes mesmos são sabatinados pelo congresso nacional, que decide se o presidente pode sofrer impeachment.
Sim, meus amigos, o cristianismo dominou o mundo por dois mil anos com um livro que foi lido por 10 por cento dos cristãos.
O que vimos ontem foi o exercício pleno da democracia, por quem aprendeu a ler o regulamento da competição.

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Proposta de Minicurso na ABRAPSO:Violência, ideologia e mídia no contemporâneo

A violência e suas distintas formas de mal-estar é uma das grandes expressões significantes do contemporâneo. A palavra violência em suas concepções linguageiras é inaugurada do prefixo ambivalente “vis”, em latim “impulso vital”, virilidade, intensidade. Na entrada anfiteatro Flaviano, chamado séculos depois de “Coliseu” estavam fixadas placas que diziam “violentia” referindo-se ao entretenimento preferido do Império: o espetaculo sangrento de cristãos, judeus ou condenados se degladiarem até a morte ou serem estripados for leões famintos. A violência, pois, desde um passado milenar está inscrita em um simbólico sangrento e paradoxal, constituinte da cultura humana. Entre a sociedadade patriarcal dos romanos, o incesto, o estupro e o cárcere privado de mulheres eram constituintes “socialmente aceitos” e legitimados na estrutura social.

Slavoj Zizek em um documentário chamado “A realidade do virtual”i chama atenção para a relação entre a teoria da Relatividade de Einstein e a revisão da teoria do trauma de Freud. Einstein imaginava inicialmente que o espaço era plano e que a matéria provocaria uma curvatura geradora da própria gravidade. Posteriormente, o físico alemão percebeu que não era a matéria que curvava o espaço, ele já era curvo.No emblemático caso Caso do Homem dos Lobos Freud percebeu que o menino havia presenciado a cena do coitus a tergo, porém ela tornou-se traumática anos depois, ou seja, não é o trauma que provoca um rompimento no psiquismo e sim vem a condensar e deslocar afetos primordiais já existentes.

A violência em nossa cultura não é um trauma que irrompe com uma susposta ordem pacífica, e sim a paz é uma ilusão sintomática que sustenta um real aterrorizante gerador de mal-estar. Após vivenciar os horrores da primeira guerra mundial, e em pleno interstício entre-guerras no qual se respirava a ascenção do nazi-fascismo e o recrudescimento do anti-semitisno Freud parte da metapsicologia para dedicar-se pensar as interfaces e dobras entre o inconsciente e a sociedade, culminando na obra “Mal- estar na cultura” em alemão “Das unbehagen in der kultur”. Uma de suas primeiras traduções para o inglês ganhou o título de “Civilizations em their discontents”, gerando uma polissemia de termos entre “desconforto”, “mal-estar”, “desamparo”, “cultura”, “civilização”. A obra da seqüencia a “Além do princípio do prazer”, “Psicologia das massas e a análise do eu”, “Totem e tabu” e “O futuro de uma ilusão”, e o que podemos extrair de tais obras é que o Humano guarda resquícios de suas origens primitivas (primatas) e que o papel imaginado da Ciência, da Culura e da Religião como civilizadores ou subimadores dos impulsos agressivos e destruidores não só fracassa parcialmente como produz, paradoxalmente, mais violência e destruição. Os seres humanos experimentam impulsos tanáticos e eróticos , amor e ódio entrelaçam-se em sadismo e masoquismo, e os desejos de dominação submisssão produzem uma sociedade pós- traumática que, na busca pelo prazer só encontra a infelicidade.
As intuições visionárias de Freud de“Totem e tabu” e do “Mal Estar na Cultura” encontraram ressonâncias e desdobramentos nos trabalhos mais recentes de observação de comportamentos gregários e violentos nas outras quatro espécies de grandes primatas (chimpanzés, orangotangos, gorilas e bonobos) e nas chamadas sociedades primitivas sobreviventes ao extermínio. Os estudos de Franz de Waaal e Richard Wranghan e Dale Peterson lançaram uma luz sobre os terríveis comportamentos homicidas infanticidas e estupradores das comunidades de Chimpanzés do Zaire (que outrora eram considerados seres pacíficos) gerados pela dominação masculina e o cio que é quando a fêmea entra em período fértil os machos são inexoravelmente atraídos por seus odores e entram em disputas físicas para quem a estupra e transfere seu material genético em primeiro lugar.As observações destes cientistas dos Chimpanzés levaram a elaboração da teoria do “Macho demoníaco” e foram comparados com estudos em comunidades humanas primitivas que concluíram que não há cultura sem estupro, infanticído e homicídio.Contudo, as pesquisas também levaram a descoberta do “primata cordial” quase gêmeo genético dos chimpanzés chamado de macaco bonobo. Os bonobos eliminaram o cio de sua cadeia evolutiva, juntamente com a dominância masculina, o estupro, o homicidio e o assassinato de filhotes, constituindo comunidades sexualmente liberais, feministas e de amor livre.
Não é difícil imaginar que os estudos em primatologia colocaram o Homo Sapiens em um ponto médio entre o chimpanzé e o bonobo. Somos criaturas extremamente violentas, porém não possúimos o cio, guardamos resquícios de ambas as espécies o que poderia ser escrito nas duas faces de uma fita de Moebius1:as fêmeas humanas, liberadas do cio, poderiam ser todas sexualmente liberadas, bem como os machos não se sentiriam impelidos a violenta-las, porém, o que acontece é o Mal-Estar: o estupro e o machismo são elevados a um nível de requinte e perversidade no Homo Sapiens jamais imaginad--o pela inteligência prática e imediata de nossos ancestrais; Cultura gera selvageria.
É o caso exemplar e paradoxal do Austríaco Josef Fritzl

Nascido na Áustria, Josef Fritzl era visto pelos vizinhos e pela esposa como um trabalhador, pai zeloso e exemplar, quie após o desgostoo com o fato sua filha Elizabeth ter fugido de casa e se juntado a uma seita, Fritzl, com a aceitação do Serviço Social austríaco adotara três filhos que foram colocados na porta de sua casa. Em 2008 a verdade veio à tona: Elizabeth tentara fugir de casa após o pai tentar abusá-la recorrentemente, e Fritzl a trancou no porão de casa e a manteve presa no escuro por 24 anos estuprando-a recorrentemente e gerando 7 filhos, um dos quais morreu no parto três foram aqueles adotados oficialmente e criados por ele e a esposa e outros três ficaram com Elizabeth no cativeiro.
Em nosso imaginário popular é muito recorrente a fantasia de que o estupro é um crime fortuito protagonizado por um agressor desconhecido a uma vítima aleatória e que experimenta a ideia original de trauma: uma pessoa normal que sofrea a agressão bárbara de um desconhecido ameaçador e experimenta os sintomas adequados ao trauma. Relatos policiais e de trabalhadores da saúde que lidam diretamente com a violência sexual mostram o oposto: o abuso sexual é um crime recorrente em ambiente privadoe que os agressores, em sua grande maioria são conhecidos ou parentes das vítimas: avôs, tios, vizinhos, amigos da família, pais ou padrastos que obtém o concentimento das vítimas por sedução material, ameaças, intimidação, barganha. Na metáfora usada por Zizek, o espaço social e subjetivo de uma vítima de estupro já é traumático e o ato em si é mais consequencia do que causa.
Josef Fritzel é um caso exemplar e radical:
“O caso de Fritzl valida o trocadilho de Lacan entre perversão e père-versão, uma versão do pai. Não é fundamental notar que o apartamento subterrâneo materializa uma fantasia ideológico-libidinal muito precisa, uma versão extrema do prazer-dominação-pai? Um dos lemas de Maio de 1968 era “todo poder à imaginação”; nesse sentido, Fritzl também é um filho de 1968 que realizou impiedosamente sua fantasia. Por isso, é enganoso, e impiedosamente errado, chamar Fritzl de “inumano”; no mínimo, para usar o o título de Nietzsche, ele poderia ser chamado de humano, demasiado humano.” Não admira que Fritzl se queixasse de que sua vida foi arruinada pela descoberta de sua família secreta. O que torna seu reinado tão medonho é justamente que seu exercício de poder e seu usufruit da filha não eram apenas um ato frio de exploração , mas eram acompanhados de uma justificativa ideológico-familiar (ele fez o que todo pai deveria fazer, proteger os filhos das drogas e de outros perigos do mundo) além de demonstrações ocasionais de compaixão (ele levou a filha doente ao hospital, por exemplo). Esses atos não foram brechas de humanidade calorosa em uma armadura de frieza e crueldade, mas partes da mesma atitude protetora que o levou a prender e violentar seus filhos. (ZIZEK, 2014, p.58)

Em 2014 cineasta austríaco Ulrich Seidl, inspirado em Fritzl e em outro sequestrador hediondo compatriota chamado Wolfgang Prikopil, que em 1998 sequestrou Natascha Kampush e a manteve em cativeiro sob estupros recorrentes por 8 anos, produziu documentário “Do porão”cuja proposta é desvelar os as pequenas perversões s nos porões das famílias austríacas de classe-média: nazismo, sado-masoquismo, misoginia, culto as armas, sodomia.
Seidl trabalha com uma metodologia não dicotômica entre documentário e ficção, os personagens e suas peculiaridades são reais mas as performances cênicas são, segundo ele, “ficcionalizadas”, poderíamos colocar aqui realidade e ficção nos lados de uma fita de moebius. Três histórias contadas no filme chamam a atenção.
1-um casal sado-masoquista em que a mulher é extremamente amorosa, rigida e dominadora de um marido gigante porém dócil e submisso. Ela o obriga a andar nu pela casa com pesos nos testiculos e a limpar o banheiro com a língua.Quando o amor e a dominação são muito fortes, eles entram no porão onde estão todos os instrumentos de tortura e prazer, onde Seidl filma uma sessão em que o marido é suspenso no ar pelo pênis.
2- Um senhor de idade reune sua bandinha germanica para comer, beber, tocar e jogar conversa fora em um porão repleto de relíquias nazistas e com um imenso quadro de Hitler na parede.
3- Uma mulher nua e amarrada por várias cordas de “boundagismo” conta a história de seu casamento e de como o marido alcoolista a espancava até o ponto de ela um dia enfiar uma faca nas suas costas e fugir com a filha tornar-se adepta do sadomasoquismo. Seu primeior dominador a fez experimentar todas as formas de dor e prazer até que um dia exagerou e a obrigou a ir para o hospital toda ensanguentada. Hoje ela pratica com um novo mestre chamado Walter e trabalha para a Caritas ajudando as mulheres vitimas de violência.Seidl mostra uma sessão de dominação na qual o mestre Walter bate no traseiro dela com um chicote, e logo em seguida dá continuidade ao depoimento no qual ela diz que não gosta de homens machistas porém para ela os homens precisam ser fortes e dominadores. 
Neste caso podemos colocar o caso desta mulher e sua relação da violência e dor nos lados de uma fita de papel quando ela era espancada pelo marido, proceder a dobra de moebius quando ela descobre o sadomasoquismo e cortar a fita duas vezes ao meio, provocando primeiro uma torção e seguindo a produção de dois anéis entrelaçados.
A violência aqui mais uma vez não constitui em um evento traumático na vida de uma vítima, e sim um espaço curvado e caótico no qual o sujeito escava seu desejo e produz dobramentos e metamorfoses. O mal-estar aqui não está na violência física em si porque esta é reelaborada e ressignificada, encaixando-se em um sinthoma (diferente de um sintomal queixoso). Nos dois casos anteriores o impacto visual de um homem limpar um banheiro com a língua ou ser suspenso no ar pelo seu pênis é muito mais forte do que o quadro de Hitler como pano de fundo para o banquete de simpáticos cidadãos austríacos.
Aqui, além da ideia de um sujeito pós-traumático vemos evidenciadas as sínteses de Zizek sobre os tipos de manifestação da violência: estrutural, subjetiva e simbólica.
No caso da bandinha neonazista temos uma estrutura social de antisemitismo e culto ao Holocausto obscurecidas pela simpatia e a diversão, enquanto no casal sadomasoquista violência provoca no especctador muito mais impacto estético e moral. No caso da mulher amarrada a trajetória do sujeito é complexificada por uma violência física que dobra e desdobra seus sentidos: ser espancada e dominada sem consentimento e com um atravessamento machista, ser espancada e dominada com uma dose excessiva de libido e ser dominada espancada com consentimento e regras bem estabelecidas e uma dialética entre dominador e dominado.
A cultura é geradora de mal-estar e paradoxos entre a busca pelo prazer, a felicidade e a dor em um mundo caótico de sujeitos desejantes.Nosso minucurso pretende fomentar o debate e mostrar a produção do LEXPARTE (Laboratório de Extensão e Pesquisa em Psicanálise e Arte) da FURG

terça-feira, 18 de abril de 2017

13 Reasons Why HANNAH não existe


Hannah, um nome palindrômico, ou seja, tanto faz se o lemos da direita para esquerda ou da esquerda para direita, tanto faz  o que é causa ou efeito, ela  apenas nos pede para escutar,   e deixa 07 fitas K7 com 13 lados gravados e enfatiza  que não usa MP3, Youtube, ou qualquer outra ferramenta tecnológica porque  Hannah está morta, não pode mais falar, como todos nós quando  deitamos no divã e nos despimos de nosso corpo  que simplesmente vive o mundo e o matamos para falar sobre... sobre as precariedades deste mínimo eu que circula fora do tempo do Titã Cronos, aquele que limita a todos nós. Para que a fala seja plena o sujeito cai, o espaço cai Hannah não está mais aqui) , a vida cai. O sujeito-objeto cai. O tempo cai.

Tempo de diagnosticar Hannah como deprimida, suicida, psicótica, surtada, perversa, vingativa e de culpá-la de todos os males da humanidade, afinal ela não existe... Ninguém se perguntou porque tudo acontece com ela, assim como a Grace  de "Dogville" todas as formas de abuso e todos os males da humanidade caíram sobre Hannah Baker em 13 fitas, 12 apóstolos e um Cristo. E seu amigo mais fiel a negou por três vezes...