Não fuja da luta, covarde

Não fuja da luta, covarde
Empate

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Ninguém sabe que eu estou aqui" Gaspar Antillo, 2020





Fabio Dal Molin
Memo Garrido (Jorge Garcia) chegou a me enganar "Parece o cara do Lost" pensei ao assistir de coração apertado esse pequeno e denso filme Chileno de belissima fotografia e história original, Memo é um personagem tão grande em tamanho e em eloqüencia subjetiva que Jorge pareceu pequenininho e acabou realizando o título do filme em meu ponto cego.
A história trata dos percursos e percalços da aventura heróica frente a nossa constituição como sujeitos da fala (no caso do canto) frente aos impasses da mefamorfose paterna. Memo é um menino gordinho e expressivo com uma voz de anjo que, para que seu pai pudesse lucrar com seu talento, foi obrigado a esconder seu corpo e a emprestar sua voz a outra criança cuja aparência se encaixasse mais no mainstream da infância prodígio. O pai de de Memo opera uma intrusão Real ao separar quase cirurgicamente seu corpo (condenado ao ostracismo dos bastidores) e sua voz ( arremetida ao mundo do grande Outro do universo Pop). A primeira tentativa de Memo de sair dessa posição aniquiladora se dá por uma passagem ao violenta, o que acarraeta em uma punição severa que separa mais ainda de si mesmo e o condena ao ostracismo em uma ilha sem energia elétrica, acesso por terra ou ao mínimo convívio social
. Impedido de falar, Memo torna-se um adulto sem fala, esconde a si e a seu canto em algum canto do mundo cuidando de ovelhas e invadindo casas de veraneio vazias onde simula uma inscrição na vida "normal" sendo criado por um tio amoroso e paciencioso que ocupa a importante função de pai imaginário .
A partir de uma nova passagem ao ato onde seu tio tem uma parte do corpo obliterada e é forçado a uma ausência, uma outra figura, uma mulher , amiga, ouvinte, olhante, convida amorosamente Memo a sair de sua posição de ostracismo e experimentar a angústia do retorno dessa intrusão do real, seu pai retorna repentinamente e com ele toda o Real saturnino, impositor, castrador. Contudo, a força pulsional da voz e do amor faz furo nesse real, rompe essa cadeia de repetição, e é canalizada por algo de um olhar que devolve a Memo sua própria imagem invertida e revertida e o faz superar esse pai Real destruidor e brotar como sujeito dono de sua própria voz e de sua própria existência.

segunda-feira, 13 de abril de 2020

O Brasil e a Necro-Lógica na crise do COVID19



Bolsonaro é uma criatura atavica, mas quem puxa as cordinhas desse brinquedo assassino é mortalmente genial, e tem lógica. 
É uma necro-logica
Alguém que está lendo esse texto já morreu e. Um acidente de trânsito?
Sim, a pergunta é absurda.
Mas do que temos mais medo? Morrer ou sofrer um acidente de trânsito?
Morrer, óbvio (palavra da moda no netflix)
Mas o que nos incomoda mais? Quantos faróis quebrados ou parachoques amassados já enfrentamos e quanto dinheiro e  tempo gastamos .
Mas morrer não nos incomoda, porque estamos vivos.
Então o que nos molesta mais, morrer ou ficar pobre e desempregado? A segunda opção,  é claro. É a lógica da série Law  and  order SVU: vítimas de crimes sexuais sofrem, as de homicídio não...
Então a estratégia de Bolsonaro  é uma entre tantas que ele tirou da esquerda: dizer que se preocupa com os pobres e que morrem mais pessoas em acidentes de trânsito, tiroteios ou problemas cardíacos, ataca a mídia ( Globo) e defende a liberdade de manifestação na rua.
É claro que nem ele nem seus seguidores ( e de certa forma nenhum de nós hoje ) está preocupado com as milhares de pessoas que morrem no Brasil todo  ano, mas sabem que perto delas  o Corona não é nada. É uma verdade estatística . Vai  passar, mas a economia neoliberal que já estava em frangalhos não vai se restaurar e vamos seguir no eterno ciclo de reformas  e ataques ao serviço público.
Para Bolsonaro e  seus seguidores,  60 mil pobres mortos por tiroteio todo mês é uma estatística.  Um shopping falido é uma tragédia.
Opa essa frase não uma paráfrase do Stalin ?
É , pois é.
Da mesma forma que a facada , a coçadinha no nariz foi no momento certo e planejado .

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Internet, capitalismo de rapina e a Guerra do Irã



Entrevista na íntegra concedida a jornalista  Camila Rosa, para a Folha de Londrina em 07/01/2019
  • Quais os resquícios da 2° Guerra Mundial, ou quais heranças deixadas para que se pense em uma nova Guerra;
      Resposta
No contexto de nossa conversa aqui podemos colocar que as guerras em geral possuem dois elementos: o econômico e o ideológico. Um não existe sem o outro: quem financia um exército o faz para conquistar novos territórios, obter lucro no comércio e consumo de armamentos ou angariar espólios dos vencidos enquanto aqueles que lutam no front  dificilmente arriscam suas vidas por isso, e para tanto surgem as motivações nacionalistas, religiosas ou étnicas como uma espécie de combustível.
Cientístas políticos como Eric Hobsbawn e  Zygmunt Bauman afirmam que as duas grandes guerras  Mundiais foram o verdadeiro início do século XX. A primeira guerra teve como mote ideológico um conflito nacionalista, enquanto a Segunda Guerra foi fortemente marcada por questões etnicas. Em ambas os Estados Unidos da América participou estando a um oceano de distância e mantendo seu parque industrial intocado e funcionando a pleno vapor. O que pouca gente fala é que a Segunda Guerra mundial foi fundamental para salvar a economia  que havia sido destruída pela quebra da bolsa de valores de 1929, pois um armistício  de tal proporção, além de armamentos, necessita de mantimentos, vestuário, transporte e, principalmente, comunicação, tudo isso impulsionado por desenvolvimento tecnológico. Todas as nações europeias e orientais envolvidas no conflito sofreram graves prejuizos materiais e financeiros com os bombardeios, parques industriais inteiros foram sucateados enquanto os EUA, além de tudo, deu asilo político a grandes cientistas alemães que incrementaram ainda mais sua industria bélica, entre eles os idealizadores das bombas atômicas lançadas em Hiroxima e Nagasaki.
Tanto  a crise de 1929 quanto o nazismo as revoluções comunistas da China e da Russia foram frutos de problemas da grande desigualdade social, e o mundo ocidental do pós guerra se reestruturou para evitar novas insurreições e teve início aquilo que os sociólogos chamam de "os 30 gloriosos". Sob a batuta economica e ideológica dos EUA e da Inglaterra uma parte do planeta experimentou seu apogeu de desenvolvimento industrial, tecnológico, financeiro e social. É claro que tudo foi às custas da total exploração das colônias africanas, do sudeste asiático e da America Latina, todas fornecedoras de fartas reservas de minério, petróleo, terras cultiváveis e mão de obra barata ou semi escravizada.
A grande questão atual é que todo isso está se esgotando. A sociedade humana  consumista dos séculos XX e XXI se desenvolveu através do esgotamento de recursos materiais não renováveis do planeta e da enorme ( e cada vez maior) concentração de renda. As sucessivas revoluções tecnológicas que tiveram início no século XIX, associadas com a necessidade do barateamento da mão de obra e das mercadorias tiveram como consequencia inevitável um fenômeno que inciou com força nos anos 70 e veio para ficar, e provoca hoje o pesadelo dos economistas políticos: o desemprego estrutural e a formação de uma gigantesca massa de seres humanos não mais desempregados, mas "inempregáveis", inúteis e desnecessários, sem nenhuma capacidade de venda de sua força de trabalho.
É quase unanimidade entre os cientistas políticos que se debruçam sobre as crises do capitalismo: a porção humana do planeta Terra habitada por nós está prestes a entrar em um colapso: há cada vez menos trabalho humano a ser explorado, bem como recursos naturais. Calcula-se que o PIB da produção material do MUNDO inteiro seja de 200 trilhões de dólares e o PIB financeiro, ou seja, de existência apenas virtual,seja da ordem de 1 quadrilhão. Em 2030 teremos mais de 800 milhões de seres humanos considerados supérfluos pela economia capitalista.
Um exemplo disso é a Amazon e o Google. Se entrarmos na loja virtual da livraria e adquirirmos um e-book, esta operação não terá nenhum trabalhador humano envolvido. Atualmente o Google, a maior empresa do mundo, possui  em torno de 50.000 empregados, e estima-se que em uma década será uma inteligência artificial autônoma.
O que fazer com essa enorme massa de seres humanos substituídos por máquinas?

  •  Como explicar o comportamento atual das pessoas aos supostos rumores de um 3° Guerra;
Eu cito aqui dois filósofos importantes um brasileiro e um camaronês. O brasileiro é Marildo Menegat, professor da UFRJ. Menegat, a partir do que eu disse na pergunta anterior,  afirma que capitalismo chegou em uma fase em que as questões clássicas modernas, de manutenção de uma sociedade desenvolvida, de bem estar ou de emprego não interessa mais.
Como eu disse no início da entrevista, a guerra possui componentes  e economicos associados a um combustível ideológico. Na verdade, a existência humana pode ser definida assim: nossa vida é composta por elementos materiais e concretos mas sem a linguagem como suporte simbólico jamais seríamos capazes de sequer definir o que é ser humano.
Os reais motivos dos EUA entrarem em conflito com países como Venezuela, Afeganistão e Iraque são simples e estão até no senso comum: energia e rotas comerciais. São os mesmos da Segunda Guerra porém com uma terrível novidade: resta pouco planeta para explorar e as grandes corporações que financiam a guerra  já não estão mais interessadas em manter a sociedade de consumo e o capitalismo. Segundo outro filósofo famoso, Bruno Latour, é óbvio que a negação do aquecimento global ou o terraplanismo são um disfarce, uma cortina de fumaça. O que os grandes acumuladores de capital do mundo estão fazendo é uma aposta:o que acaba primeiro, o planeta ou o capital.
Aqui recorro ao camaronês Achille Mbembe, que recentemente publicou um ensaio muito famoso no meio acadêmico chamado "Necropolítica". Em linhas gerais Mbembe considera que a era do "humanismo" iniciada na revolução francesa acabou e que todas os conflitos bélicos atuais apresentam como característica o puro e simples extermínio de sujeitos considerados desnecessários. Nos anos 70 Michel Foucault cunhou o termo "biopolítica" que seria o governo e a deminstração da vida pelo controle do estado, das grandes empresas e das ciências biológicas, estatísticas e humanas. Mbembe diz que não há mais interesse em governar e controlar as massas inempregáveis, e sim em exterminar. Para tanto basta analisar países da africa subsaariana produtores de platina, ouro, diamante ou outros metais preciosos, assim como a Síria, o Iraque e o Afeganistão:tais países hoje já não constituem mais nações autônomas e independentes e seus refugiados hoje se espalham pelo mundo todo, inclusive migrando para países também em guerra como o Brasil. Sim, eu afirmo, estamos em Guerra. Todo ano 60.000 mulheres e homemns são assaassinados no Brasil, em sua maioria jovens negras e negros que habitam zonas urbanas sem nenhuma assistência do Estado. Isso não é por acaso.
Eu repito: a parcela do planeta habitada pelo homo sapiens caminha cada vez mais para uma situação em que os 10 por cento que controlam 90 por cento da riqueza decidirão o que fazer com os 90 por cento que tem 10. Como atualmente  não há sinais de melhora,  a decisão é o exterminio até que esta maioria se insurja e o mundo mergulhe na barbárie da mesma forma que aconteceu há mil anos com o Império Romano, porém sem mais espaço habitavel no planeta.
Não é à toa que essa possível guerra tenha eclodido com o assassinato por controle remoto do líder militar de um país protagonizado por outro país e nações "civilizadas" como Alemanha e Inglaterra tenham assumido uma posição quase indiferente, assim como o comandante da polícia militar do Rio de Janeiro e seu Governador tenham considerado a morte de uma criança negra e pobre em um conflito armado urbano "ossos do ofício". 
 O mundo já vive uma Guerra mundial, e ela é contra os pobres. O que os EUA farão é apenas rapinar as últimas reservas de petróleo existentes.


Em que medida esse compartilhamento em massa de informações, nas redes sociais, afeta a vida das pessoas?
 No século XIX grandes massas migraram das zonas rurais para os grandes centros urbanos para trabalhar nas fábricas dando início a segunda revolução industrial. Nos dias  com a chamada quarta revolução tecnológica, que iniciou com a internet e hoje vive a era da chamada "governamentalidade algoritmica", é natural que os fluxos humanos fluam para onde o capital está. 
São apenas cinco grandes empresas – conhecidas como as Big Five – que se tornaram intermediárias poderosas de nossa vida digital: Apple, Google, Microsoft, Facebook e Amazon[1]. Em 2017, essas empresas passaram a ocupar as cinco primeiras posições no ranking das companhias mais valiosas do mundo, deixando para trás gigantescas corporações globais que durante décadas tinham posições de liderança como Exxon, Nestlé, Samsung, General Electric e Johnson & Johnson. Juntas, as cinco companhias valem ao redor de 3,3 trilhões de dólares (aproximadamente metade do PIB brasileiro de 2018). O atual ministro da Economia brasileiro Paulo Guedes, pretende economizar, com a reforma da previdência, 1 trilhão de REAIS em DEZ anos.
Pesquisadoras e pesquisadoras do mundo inteiro já estão estudando este fenômeno, e o chamam de "Capitalismo de Vigilância"; Somos sujeitos da linguagem e do simbólico, é isso que nos torna humanos, a realidade que vivemos é uma realidade virtual, quando temos uma dor de estômago nunca sentimos apenas a dor, já imaginamos a palavra "dor" e todas as suas significações. Nossa relação com o mundo nunca foi direta. As tecnologias apenas amplificam isso e, aliadas aos mecanismos de sedução e captura da economia e da política, hoje o mundo  humano que tem acesso a essas tecnologias está vivendo uma espécie de realidade paralela. 
O grande risco disso é justamente quando as regras do mundo virtual começam a coordenar e invadir a nossa vida subjetiva: as pessoas não mais compartilham de espaços de conversa e convivência, candidados a cargos políticos se elegem pura e simplesmente por serem youtubers ou celebridades do Twitter, informações falsas espalhadas pela rede são interpretadas como verdade (terra plana, movimentos anti vacina, etc)
Assim como Hittler conclamou a Alemanha a se unir contra o grande inimigo comum, os judeus, usando propaganda escrita e cinema, hoje os EUA usam o terrorismo  e a "autodefesa" e muitas fake news em Wtasapp, Facebook e Twitter para conquistar o apoio de bilhões de pessoas a defender um território que está a milhas de distância. Com o advento dos drones nem é mais um movimento pacifista solidário as famílias dos soldados mortos: estes serão em numero irrisório.
  
  • Qual o impacto do computador, e agora o celular, que exerce a mesma função e faz com que fiquemos conectados o dia todo, estando sempre ao alcance. 

Atualmente, o mundo comporta 4 bilhões de pessoas usando algum serviço conectado à internet, e até 2021 seremos 5 bilhões. O escândalo da Cambridge Analytica - empresa privada que combinava mineração e análise de dados com comunicação estratégica para processos eleitorais –
revelou o uso de dados de redes sociais sem autorização. Percebemos que os dados não identificados dessas redes, mais as imagens de câmeras de vigilância, GPS, buscas em plataformas como Google, Amazon, Instagram, lojas virtuais, etc. alimentam gigantescos bancos de dados e são transformados em capital e gerenciados por inteligência artificial.
O Brasil é o segundo país do planeta em tempo de conexão, em uma média de nove horas por dia por habitante, sendo que 133 milhões de brasileiros/as seguem perfis políticos nas redes sociais.
A palavra rede também guarda em si uma multiplicidade de sentidos e de inserção na esfera filosófica, tecnológica e política: podemos pensar as redes como espaço de conexões entre pessoas, como espaços de acolhimento e como aparelhos de captura.
 Na minha opinião, a única maneira de evitarmos o colapso mundial não é combatendo a tecnologia ou as grandes corporações. Estas já venceram.
O que podemos fazer é voltar a cultivar espaços de encontro, de solidariedade, fomentar outras modos de produção, de comunicação e de encontro entre pessoas