Não fuja da luta, covarde

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Empate

sábado, 16 de maio de 2015

A genealogia do Anarquista Ingênuo" PARTE I "Eu me sinto como uma laranja mecânica

“Militar é agir. Pouco importam as palavras, o que interessa são os atos. É fácil falar, sobretudo em países onde as forças materiais estão cada vez mais na dependência das máquinas técnicas e do desenvolvimento das ciências.” Félix Guattari

Apenas hoje, 21 anos depois,  consigo fazer a genealogia de minha anarquia ingênua. Eu era um estudante de primeiro semestre do curso de Psicologia na UFRGS e, como é comum quando se tem 18 anos e ingressa em uma máquina acadêmica, eu não sabia muito o que queria com tudo aquilo. Hoje eu digo a meus alunos de Psicologia da Educação que, ao espremermos a escola e a universidade (sim, me arrisco a dizer que são a mesma organização), o que escorre é um caldo azedo de chorume disciplinar, burocrático, vazio de sentido e saturado de mediocridade. O eufemístico slogan do conhecimento sai pela tangente e vai direto ao lixo dos bagaços.
O autor da frase que inicia este texto, Guattari, um dos grandes ativistas da reforma psiquiátrica e do movimento institucionalista, em várias de suas obras compara as instituições a máquinas, derivando conceitos como "máquinas desejantes" "máquinas semióticas", "agenciamentos maquínicos".
Um estudioso e ousado bricoleur  da filosofia, Guattari pensa as instituições- máquinas em dois planos de linhas: as maquínicas e as mecânicas.
As linhas máquinicas são os organogramas, fluxogramas, rotinas, horários, tarefas repetitivas, uma espécie de "hardware" que pode ter expressões abstratas. Os produtos das máquinas mecânicas são os alunos, professores, disciplinas, bibliografias, curriculos, grades de horário, matrículas, regimentos. A linha maquínica da conta da energia pulsional viva: desejos, arroubos de amor e ódio, vontade de saber, transgressões,  temporalidades relativas, resistências, conflitos, revoluções. O mecânico e o maquínico, nas instituições são como as águas turbulentas que ganham forma e movimentam a turbina de uma usina, contudo, nas instituições, tal processo de movimento vs controle acontece pulverizado, cotidiano, abstrato.
Minha opinião anarquista e ingênua sobre nossas Universidades é que  a máquina maquínica parece estar cada vez mais soterrada rumo ao inconsciente institucional. Tal soterramento é tão brutal que, como na primeira tópica freudiana, os recalcados emergem com a força de um vulcão que torna tudo destruidor, obscuro e sintomático.
Vejo isso na angústia de  meus alunos quando, ao dar início a  um semestre, não falo de provas, faltas ou trabalhos, a mesma angústia aparece entre os professores que não sabem outra maneira de construir conhecimento (?) a não ser por estes artifícios que não aparecem em nenhum autor importante da pedagogia. Da mesma forma, os angustiados professores não conseguem parar as máquinas de  suas produções acadêmicas ou do oceano de burocracia. O mal venceu. A categoria que possivelmente mais concentra capital simbólico caiu no espremedor das laranjas mecânicas. 
Nos últimos 20 anos de políticas de ciência e tecnologia e de formação massiva de graduados e pós-graduados, as maiores caixas pensantes brasileiras precisam fazer sexo com hora marcada com suas ideias, precisam produzir para publicar e publicar para produzir, e o contingenciamento de tempo e verbas fez com que sejamos inclusive todos responsáveis pela operação da máquina universitária.
Eu sou mesmo ingênuo e cheguei até a publicar artigos saudando a integração entre ensino, pesquisa e extensão, pois mal eu sabia que tal integração movimenta engrenagens que tornam nosso trabalho intelectual uma façanha quase revolucionária, pois a cada mês, a cada ano a cada biênio somos levados a produzir projetos, angariar bolsistas,  submetê-los a comitê, bancas e a órgãos financiadores, tudo isso em meio a reuniões, colegiados, horas e horas de aulas bimestrais, horários e semestres. Como diz o personagem Alexander The Large do livro "Laranja Mecânica" de Anthony Burgess, um jovem genial  e indomável que é brutalmente subjetivado por todas as instituições socializadoras do Estado "nos sentimos como laranjas mecânicas".
O relógio é uma máquina que virou moda na Revolução Industrial, aliás, o  próprio tempo. Horas-aula, horas-relógio, bimestres, cronogramas, prazos, grades de horário.Ah, as grades de horário... O anarquista ingênuo sempre se sente preso quando usa tal expressão.
Pensamos como máquinas mecânicas,mas as máquinas maquínicas, de algum lugar dos infernos do inconsciente encontram voz, e como estão há anos sendo incubadas, surgem como crianças birrentas e intolerantes.
Freud cunhou a expressão "sua majestade o bebê". A criança pequena não quer saber de tempo e espaço, ela chora e berra quando seu prazer imediato não é satisfeito. 
Os pequenos fascistas dentro de todos nós, que explodem de raiva e ressentimento quando alguma peça não funciona, um comando não é respondido ou a lógica irrefutável da programação é contaminada por algum vírus do imprevisível, do poético ou do revolucionário.


quinta-feira, 14 de maio de 2015

Sou um anarquista ingênuo....

"Não é preciso ser triste para ser militante" diz Michel Foucault em seu manifesto "Por uma vida não fascista", prefácio da obra-rizoma "O Anti-Édipo" de Gilles Deleuze e Félix Guattari. Nosso amado arquivista calvo também dispara uma frase simples, banal, mas definitiva e que hoje perturba meus neurônios cada vez que  desembarco da nave dos sonhos todas as manhãs para habitar esta realidade semidesperta "não morra de amores pelo poder".
Nesta semana a Universidade Federal do Rio Grande , FURG, local onde tento garimpar pensamentos e explodir mentes em troca da sobrevivência, abriu diminutas brechas em seu cotidiano de aulas, bimestres, notas, burocracias, processos,  arroubos melancólicos de reunite aguda.
Estudantes ocuparam o palácio da reitoria para exigir direitos, esquerdos e um pouco de centralização. A Universidade Pública passa pelo mesmo processo que muitas favelas: remover pessoas com garantias  futuras de direitos e estruturas em um terreno isolado e saturado e, como a mãe primordial , remove o seio da boca da criança provocando-lhe angústia. Mas, ao contrário do que muitos pretensos "adultos" imaginam, as crianças não sabem só chorar, sabem agir, perturbar, balbuciar algo mais que  meros queixumes.
Minha espada afiada de mestre ignorante foi forjada por uma inquietação sobre o movimento estudantil, em minha época uma mera reprodução do movimento sindical; engessado, aparelhado, triste...Sempre pensei que a ação política deveria ser movediça, cotidiana, energética, rompedora...
E agridoce fiquei na reunião de minha própria categoria, que terá mais detalhes em minha próxima postagem (escrevo essa na ansiedade infantil de inaugurar o blog...)
Lembrei do filme iconoclasta "A Vida de Brian" : quando Brian, um simulacro cômico de Cristo, está para ser crucificado, sua namorada  recorre desesperadamente para seu movimento social, que naquele momento está em reunião. A despeito do desespero e da morte iminente de um de seus membros, o grupo aceita incluir na pauta de informes e registrar uma moção  de apoio  ao companheiro que se sacrificará pela causa.
Enquanto os estudantes protagonizavam um ato de galhardia e sacrifício, meus colegas sindicalistas ostentavam currículos invejáveis de lutas, e após constatarmos que nosso país quer nos crucificar, o ponto culminante da discussão foi.... se os não sindicalizamos tinham ou não direito ao voto, pois, na opínião de um colega, aquelas pessoas que estavam ali por livre e galharda vontade de ajudar e promover nossa causa pudessem votar, o resultado seria caos e anarquia...
Lembro sempre quando algum aluno da FURG que não está  matriculado em minha disciplina (?) pede educadamente para assistir minhas aulas e eu respondo sempre "ora, se nós precisamos de chamada, bimestre e provas para obrigar nossos alunos a frequentarem as aulas,  porque eu impediria o desejo espontâneo de saber?" . Mas, enfim, eu sou um anarquista ingênuo....