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Empate

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O cotidiano universitário e os regimes de signos

Há 16 anos participei de um EREP (Encontro Reginal de Estudantes de Psicologia), já como oficineiro, mesmo estando no primeiro ano da faculdade. Hoje já sou doutor e professor da Universidade Federal de Rio Grande, e sempre levarei comigo as questões trabalhadas naquele encontro, cuja temática foi "O cotidiano universitário: como anda a sua relação com o conhecimento". Eu jamais imaginaria naquela época o  quanto revolucionário e pertinente é este tema.
Na semana passada participei de uma reunião de integração de funcionários e professores da FURG. A integração visa apresentar ao funcionário as regras da instituição e o regime legal do serviço público, bem como direitos e deveres. A psicóloga pediu que cada um se apresentasse e falasse um pouco de sua trajetória até chegar na universidade. Foi surpreendente perceber que uma parcela considerável dos professores recém- contratados nunca tiveram experiência docente, e estavam apavorados porque  ao ingressarem na universidade tornaram-se responsáveis por várias turmas  de graduação, a maioria cheias de jovens estudantes.
Esta é a consequüencia das políticas de produção de pesquisa implementadas pela CAPES aos programas de Pós-Graduação na época do governo Fernando Henrique Cardoso, marcada pelo sucateamento das universidades públicas. Naquela epoca, a única maneira de  conseguir comprar equipamentos  e manter os cursos era investir todo o capital humano na pós-graduação e na pesquisa
A pesquisa é hoje, muito mais valorizada nas universidades públicas do que o ensino, e  em alguns lugares os pesquisadores doutores mais antigos não entram em sala de aula, repassam suas cadeiras na graduação para mestrandos e doutorandos. Esta valorização é amplificada pelo fato de a produção científica poder ser quantificada e medida, já a qualidade do ensino de sala de aula fica quase que exclusivamente restrita ao professor e aos alunos. Em termos de recompensa profissional, uma boa aula vale a mesma coisa que uma sessão de tortura.
Foi formada, pois, uma geração inteira de mestres e doutores voltados unica e exlcusivamente para a produção de arigos científicos e que nunca se preocupou com o o fazer docente, com as relações professor-aluno, com pedagogias criativas. A tendência é ser anexado pelas práticas disciplinares que segmentarizam e regulam as práticas institucionais na escola: quadro-negro, powerpoint, chamada, aula expositiva, exames. Tais práticas são seculares e surgem nos mesmos contextos mapeados por Michel Foucault em obras como Vigiar e Punir e Microfísica do Poder.
Ensinar e aprender nesta perspectiva disciplinar desloca o foco do conhecimento e o direciona para o poder. As disciplinas acadêmicas, bem como as práticas docentes, tendem a ensimesmar-se e pouco dizem das multifacetadas realidades da vida profissional. Na obra Mil Platôs, Vol 02, Deleuze e Guattari denominam este mar de práticas reproduzidas e compulsórias de "Regimes de signos". Mesmo que o texto dos filósofos franceses se refira a educação para crianças, ele cabe perfeitamente no ensino superior, pois a  lógica se reproduz:
"A professora não se questiona quando interroga um aluno, assim como não se questiona quando ensina uma regra de gramática ou de cálculo. Ela "ensigna", dá ordens, comanda. Os mandamentos do professor não são exteriores nem se acrescentam ao que ele nos ensina. Não provêm de significações primeiras, não são a conseqüência de informações: a ordem se apóia sempre, e desde o início, em ordens, por isso é redundância. A máquina do ensino obrigatório não comunica informações, mas impõe à criança coordenadas semióticas com todas as bases duais da gramática (masculino-feminino, singular-plural, substantivo-verbo, sujeito do enunciado-sujeito de enunciação etc). A unidade elementar da linguagem — o enunciado — é a palavra de ordem. Mais do que o senso comum, faculdade que centralizaria as informações, é preciso definir uma faculdade abominável que consiste em emitir, receber e transmitir as palavras de ordem. A linguagem não é mesmo feita para que se acredite nela, mas para obedecer e fazer obedecer. "
Desta forma, eu convoco os leitores que fazem parte do mundo acadêmico e universitário a formularem as seguintes perguntas a si mesmos e a seus professores:
O que fazem os alunos quando  não gostam das aulas, da disciplina ou do professor?  E o que professor faz quando percebe isso? Alguém já perguntou a seu professor sobre os fundamentos científicos de sua didática ou de sua pedagogia? Ou mesmo: se elas são comprovadamente úteis na formação de um profissional?Os professores sabem realmente por que aplicam provas aos seus alunos ou se os critérios de pontuação e avaliação são realmente eficazes para a formação de um profissional? Alguém lê  pelo menos uma parte da produção científica de seus professores, mesmo ela sendo internacional e em língua estrangeira?
 Enfim, nós, alunos e professores, realmente pensamos sobre o cotidiano universitário e nossa relação com o conhecimento?

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