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Empate

sábado, 21 de maio de 2016

"A onda:" , o desejo e a tragédia de ser professor e o totalitarismo recalcado na democracia


"A Onda" é um filme alemão produzido em 2008 e é inspirado na experiência de um professor de história Americano de Palo Alto que, através de exercícios e dinâmicas, consegue induzir em seus alunos comportamentos típicos da Autocracia nazista.

Heiner Wenrger é um professor que usa jaqueta de couro e camiseta de banda, morou em ocupações e é um ativista político anarquista, Aqui já começamos a pensar no paradoxo de ser professor e anarquista e nos deparamos com aquilo que Freud postula da impossibilidade de educar, governar e  curar.  Ser professor e anarquista  é um ofício cuja utopia mantém uma distancia segura do objeto do desejo e o mantém como verbo intransitivo. Wenger, na experiência da Onda depara-se com o encontro paradoxal com a utopia e a morte do desejo. A experiência educativa da autocracia torna-se insuportavelmente plena e bem-sucedida, provocando nele um gozo insustentável que o conduz a um destino trágico como Édipo, que procura a si mesmo e se defronta no fim da história com o horror do encontro..No caso específico da educação, tal prática pressupõe um encaixe perfeito entre o desejo do  emissor e do receptor. O desejo, para Lacan, denota falta da falta, desejar é um verbo intransitivo, o desejo é sempre de desejar. , diferente da ordem possível do querer. Heiner Wenger quer ser professor de anarquia, mas uma interdição a partir de um colega mais velho e que encarna o "pai professor" o condena a ensinar sobre autocracia, ou seja o oposto sintomático da Alemanha. Quando não consegue o que quer, Wenger acaba se encontrando com aquilo que deseja: o amor, a obediência e a eficácia. Os alunos aderem ao projeto da "Onda" com uma paixão jamais vista na Escola. O professor obtém aquilo que parece impossível: a plena experiência do encontro educativo.  O encontro com o objeto de desejo é insuportável pois representa a morte, ou a tragédia inexorável como é conduzido o fim do filme.


Na versão americana de 1981, mais simples, concisa e menos carregada de detalhes e emoções, o professor é mais "careta" e a experiência da Onda é menos radical, mais racional e é encerrada didaticamente (o personagem "nerd" sofre mas se conforma  e é consolado pelo professor, como bom neurótico, ao contrário do personagem alemão que aceita a experiência como a sua própria vida)

o jovem aceita a ideia da onda plenamente como este Outro maior do que eu e o professor, e não a arma, dispara o tiro mortífero ao invadir o sonho alheio e dizer que com a morte do líder a onda morreria.
Em uma leitura sintomática, já elaborada nas muitas interpretações da experiência de Palo Alto e das duas películas que lhe fazem referência, "A onda" é vista como  um alerta para os perigos da emergência do fascismo nas democracias contemporâneas, e parece se encaixar perfeitamente no momento da esfera política brasileira. Contudo isso é uma visão apenas parcial. É claro que, parafraseando Slavoj Zizek nas sua obras " Guia do perverso sobre ideologia" e "Alguém disse totalitarismo?" os elementos ideológicos  do fascismo aparecem, recalcados e pulverizados nas democracias liberais capitalistas, e isso é evidente no Brasil: a eterna guerra contra um inimigo comum (comunismo, terrorismo, petismo, islamismo, criminalidade), inflação, desemprego e movimentos nacionalistas (protestar usando as cores do país é uma antiga prática integralista. No entanto, os elementos protofascistas  não representam uma ameaça a democracia, e isso centraliza o debate atual sobre a deposição da presidente Dilma. O impeachment é ou não é constitucional, é ou não é um golpe, é ou não é democrático.
É claro que é democrático! Mas, como disse uma vez José Saramago em aula magna na UFRGS, se existe algo que não se discute é a democracia, ou seja ela é entendida como clausula pétrea, intocável, absoluta e parece ser a panacéia de todos os problemas do mundo contemporâneo. Outro pensador português, Boaventura de Souza Santos diz que o casamento do Estado Moderno, da Democracia e do capitalismo provocaram uma espécie de privatização da esfera pública, evidenciada pela predominância da propaganda política, dos financiamentos de campanha e da concentração da ação política na esfera partidária. Trocando em miúdos, Boaventura acerta sua análise diretamente no alvo quando diz que o cidadão médio do mundo capitalista  encontra sua participação  política única e exclusivamente no ato de votar, denegando todas as outras: hábitos de consumo, ação nas esferas da educação e do trabalho, debate daquilo que é exposto nos grandes meios de comunicação, etc.
Em termos psicanalíticos, a democracia capitalista captura o sujeito na esfera simbólica das preocupações cotidianas de uma espécie de eterno presente: o dólar, a bolsa, o emprego, a criminalidade que irrompe na vizinhança outrora imaculada. O exercício da utopia, essa busca por uma outra realidade, o sonho, o exercício de outros possíveis  é amputada e sua lacuna é preenchida por um universo de pura reação. Reação é uma expressão do sintoma e "reacionário" um sinônimo de fascista, nazista, conservador, aquele que age e irrompe em ódio e violência  para que, no fim, as coisas permaneçam como estão, daí a polêmica declaração de Zizek na qual ele diz que Ghandi foi mais violento que Hitler. O nazismo nada mais foi que uma virulenta reação de manutenção do eixo do poder higienista e capitalista no século XX e findou por colocar boa parte do mundo ocidental como refém dos "vencedores", delegando às democracias liberais o papel de guardiãs da liberdade e da inclusão.
E aqui encontramos  a verdadeira razão do "locus" cinematográfico das duas versões de "A onda": os EUA no início doas anos 80, no auge da democracia liberal e a  Alemanha do século XXI, principal potência capitalista européia e através de políticas e imigração e desenvolvimento parecia ter enterrado os fantasmas do nazismo para sempre.

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