Hannah, um nome palindrômico, ou seja, tanto faz se o lemos da direita para esquerda ou da esquerda para direita, tanto faz o que é causa ou efeito, ela apenas nos pede para escutar, e deixa 07 fitas K7 com 13 lados gravados e enfatiza que não usa MP3, Youtube, ou qualquer outra ferramenta tecnológica porque Hannah está morta, não pode mais falar, como todos nós quando deitamos no divã e nos despimos de nosso corpo que simplesmente vive o mundo e o matamos para falar sobre... sobre as precariedades deste mínimo eu que circula fora do tempo do Titã Cronos, aquele que limita a todos nós. Para que a fala seja plena o sujeito cai, o espaço cai Hannah não está mais aqui) , a vida cai. O sujeito-objeto cai. O tempo cai.
Tempo de diagnosticar Hannah como deprimida, suicida, psicótica, surtada, perversa, vingativa e de culpá-la de todos os males da humanidade, afinal ela não existe... Ninguém se perguntou porque tudo acontece com ela, assim como a Grace de "Dogville" todas as formas de abuso e todos os males da humanidade caíram sobre Hannah Baker em 13 fitas, 12 apóstolos e um Cristo. E seu amigo mais fiel a negou por três vezes...
Temos aqui um personagem conceitual, puro discurso, Brás Cubas dos dias atuais, um morto que fala de si... Isso não é Brás Cubas, não é Hannah, não é ninguém, é só uma narrativa...
Quem assiste um filme ou uma série cai sempre na armadilha imaginária: acreditamos sempre que aquilo é a realidade. Mas não é. Aquilo é o Real, aquilo é ou não é.
Clay, o mínimo eu que nos resta, sofre, sente culpa, alucina, se revolta, e todos nós que matamos Hannah, nós, os personagens da série, nos irritamos e tentamos tornar Hannah novamente um sujeito-objeto, cheio de "por quês", "Por Quês". que demandam "porques" "por quê Hannah se matou", "por quê Hannah não é diagnosticada", "por quê Clay não escuta todas as fitas"?
O tempo da fala é o tempo da pausa. Entre as palavras e letras há pausa, se não fizéssemos pausas, a comunicação seria impossível, tudo seria caos e mesmice, como é o cotidiano da vida e da Escola chamada Liberdade.
Hannah pode estar mentindo, afinal, ela não existe, é apenas voz e narrativa, verdade pura, e nada é mais mentiroso do que dizer a verdade. Hannah se matou ou todos mataram Hannah?
Hannah, a morta aparece na escola como a santa congelada no altar de seu túmulo-armário na escola como objeto de culto e sacrifício assim como Laura Palmer no primeiro filme da série Twin Peaks é apenas uma foto em um porta-retrato, ou um cadáver achado em um rio. Todos lhe prestam homenagem, tentam consolar amigos, colegas e familiares, todos protegem a todos. No segundo filme encontramos o Real de Laura Palmer: a menina boa e popular recorre a realidade e ao sonho para fugir de sua fantasia, e o tapete neurótico do espectador é puxado: foi a pergunta "quem" matou Laura Palmer.
Os pais de Hannah processam a Escola... Processam por quê mesmo, perguntaria Joseph K, de Kafka? È como aquele romance da Agatha Christie no qual todos os passageiros do trem, todos 12 cidadãos respeitáveis, esfaquearam uma mulher, cada um com seu motivo, sua raiva e sua força?
A Escola é culpada por não combater o Bullying, por não pendurar cartazes o suficiente, por não produzir cheer leaders, alunos populares, jogadores de basquete, bolsistas, nerds, alunos estranhos ou professoras de "comunicação" o suficiente para que todos se sintam culpados...
Bullying, depressão, proteção, carinho, cuidado, medicação, diagnóstico...
Como diz Clay para sua mãe, advogada que defenderá a Escola no "processo" movido pelos pais de Hannah:"talvez não existam bons garotos".
Como em "Carrie, a Estranha", o cenário da "Liberty High" está montado: todos olham para escola como lugar de cuidado, aprendizado, esporte e a formação de bons cidadãos, empresários e atletas... E todos sabem que nada disso se sustenta sem estupro, assédio, humilhação e uma rede tão perversa de poder que isso é até expresso discursivamente em uma aula em que Nietzsche é citado "quem quer enfrentar monstros deve estar preparado para não tornar-se também um monstro, se olhares demasiado dentro de um abismo, o abismo acabará olhando dentro de ti".
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Sete fitas e 13 lados de 14. Como diz Hannah no início: existem 13 razões para TUDO. E a razão disso tudo está na pausa que todos temos que fazer para escutar qualquer coisa, história, pessoa, os sons do silêncio: o lado vazio.
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