Quem viveu nos anos 70 e 80 no Brasil como eu observa a era das redes sociais como a verdadeira
psicodelia experimentada nas artes do final de uma década anterior ao meu
nascimento, os anos 60. Na música “A day in the life”, do disco Sargent Peppper’s Lonely Hearts Club
Band, dos Beatles, John Lennon e Paul McCartney descrevem harmonicamente um
mundo “careta”, sisudo e monocromático
de um inglês comum que entra em
um sonho multifacetado e polifônico. Isso, encontrei a expressão, muito
utilizada por Mikhail Bakhtin: polifonia.
No entanto, a polifonia não é de sentidos, como se ainda
imaginássemos uma realidade dicotomizada de sua representação. É uma polifonia de realidades.
O biólogo Humberto Maturana, em seu livro “A ontologia da
realidade” contrapõe duas noções de realidade. A primeira é a Universal, na
qual existe um mundo a ser captado pelos sentidos ou meramente acessível a
nossa cognição. A segunda realidade é a multiversal, cada observador produz em seus domínios seu próprio universo, que
transversaliza os demais universos de outros observadores a partir de
coordenações, perturbações mútuas, redes de conversações.
Até os anos 90 os meios de comunicação operavam em uma
realidade Universal, que o filósofo profeta da Internet Pierre Levy chamou de
“um para muitos”. Uma mensagem produzida e meramente transmitida a aparelhos
receptores. Levy contrapôs o modelo da transmissão-recepção universal para o de
“muitos para muitos”, a utopia da horizontalidade das redes, de um imenso
debate em que todos os cidadãos poderiam compartilhar suas opiniões e visões de
mundo em uma grande comunidade debatedora.
O Espaço virtual da Internet inaugura a discussão sobre uma "realidade" ontológica multiversal. Não há dicotomia entre
o "fato" e sua "representação". Contrariamente ao que
costumamos vociferar em nossa esfera
virtual é que a "grande mídia"
manipula os "fatos" e seus respectivos "receptores".
isso é um engano. O que chamamos de realidade é uma multiplicidade de
ideologias, um embate semiótico de ontologias acopladas, ou, como diz Maturana,
um multiverso. O que chamamos de manipulação, na verdade é um problema de
Ecologia Cognitiva como colocou Gregory Bateson algumas décadas atrás: os grandes órgãos de imprensa na democracia
capitalista tem se comportado como empresas de publicidade querendo vender
produtos. A realidade é um produto de massa vendido em larga escala. Nosso conceito de realidade em um mundo globalizado e em rede é o de uma praga de gafanhotos: repetições em larga escala do mesmo quase sem predadores naturais. Não há uma verdade sendo manipulada, há uma ideologia sendo produzida.
"A lição teórica a ser extraída disso é que o conceito
de ideologia deve ser desvinculado da problemática
"representativista": a ideologia nada tem a ver com a
"ilusão", com uma representação equivocada e distorcida de seu
conteúdo social". Slavoj Zizek
Assim, contra o horror distópico da produção monocromática
de verdade, o próprio antídoto é a a utopia de construir mundos diferentes,
aqui e agora. Sem pensamento crítico não há futuros possíveis.
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