Não fuja da luta, covarde

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Empate

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Eu não sou professor...



A palavra crise está na moda...
Nos anos 80 o cartunista Angeli criou um personagem de si mesmo, chamado "Angeli em crise", provavelmente para dar conta de produzir cartuns diários e estar submetido ao fluxo intermitente de inspiração...
Depois de 15 anos de meditar profundamente sobre meu trabalho (palavra essa dolorida como o instrumento de tortura que lhe empresta o nome), eu estou um pouco reticente...

Eu sou contra o ensino... Segundo Jacques Ranciere em seu livro "O Mestre Ignorante"   ser professor é viver um conflito diabólico ( diabolos significa dicotomia): explicar vs emancipar, vigiar ou punir, ensinar ou libertar...
A vida de professor universitário e funcionário público é atravessada pela dicotomia conflitiva entre forças instituintes e instituídas, ou entre o nômade e o sendentário. Diz Ranciere:
"Não há ignorante que não saiba uma infinidade de
coisas, e é sobre este saber, sobre esta capacidade em ato que todo
ensino deve se fundar. Instruirpode, portanto, significar duas coisas
absolutamente opostas: confirmar uma incapacidade pelo próprio
ato que pretende reduzi-la ou, inversamente, forçar uma capacidade
que se ignora ou se denega a se reconhecer e a desenvolver todas as
conseqüências desse reconhecimento. O primeiro ato chama-se embrutecimento e o segundo, emancipação"

A experiência de ingressar em uma sala de aula  inicia no  vislumbre da disposição disciplinar das cadeiras e das mesas, no quadro negro, no formato de palco italiano (um em pé  e 30 sentados), cada aluno olhando para a nuca do outro e se encerra na absoluta sensação de desamparo quando o professor não fal aem avaliações, pontos, notas e presenças.
Muitos alunos carregam em si esquemas sociocognitivos prontos para obedecer ou para transgredir regras que são tão antigas quanto  a própria escola em si, ainda que muito poucos entre estudantes e professores se apercebam de que esta configuração escolar não é assim tão antiga, o que significa dizer que ela não é natural, eterna, ou em termos mais clichês, ela é socialmente construída. Os modelos institucionais  de aprendizagem universitária são os mesmo da escola padrão em expansão no século XX, funcionam com uma´máquina planificadora: todos no mesmo tempo, na mesma matéria, respondendo ao mesmo exame. E isto é necessário para que nosso trabalho se mantenha ao longo do tempo, assim como precisamos de um corpo metaestável, memórias, histórias de vida, fotografias, etc, do contrário como poderíamos viver ou dizer  simplesmente "eu". A repetição, dizem Deleuze e Guattari, é existencializante, assim com a solidez oferece anteparo, do contrário não conseguiríamos entrar em automóveis, sentar em cadeiras, ou mesmo teclar. Nem a visibilidade seria possível.
Contudo,  excesso de solidez parece gerar nas pessoas o efeito do pássaro na gaiola ou das rodinhas auxiliares na bicicleta. A máquina é mais importante que a vida. Cumprir regras é mais importante que a tarefa para a qual as regras são necessárias. Geralmente, os alunos se preocupam mais com avaliações, créditos, notas, regras do que com a aprendizagem, assim como ficam angustiados quando isso não acontece, afinal, colar na prova, copiar  trabalhos e pedir ao colega que assine a chamada indevidamente são lugares de conforto,  assim como a sociedade não vive sem crime, afinal, sem crime haveriam poucos advogados, policiais e carcereiros, não haveria o direito.
Meu desafio de professor não é destruir o sistema nem construir outro, e sim torná-lo fluido, maleável, multifuncional. Assim como o computador tornou possível  a  manipulação dos textos, sua interatividade e hipertextualidade, mas não acabou com a escrita nem com os livros, imagino que é possível construir uma universidade  que integre o sendentarismo e o nomadismo, na qual os territórios possam acolher mas não aprisionar.

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